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O caminho do meio: Fox menos trumpista e CNN menos esquerdista

Mudanças importantes na mídia americana apontam para uma tendência a sair dos extremos, o que só pode corresponder a um desejo dos consumidores

Por Vilma Gryzinski 8 set 2022, 08h01

“O ex-presidente Trump tentou vender ou compartilhar o material altamente sigiloso com os russos ou os sauditas ou outros?”.

A pergunta causou perplexidade nas redações americanas. Não porque a hipótese, que soa absurda, já não tenha sido levantada em setores mais à esquerda, mas por causa de quem a fez e onde a fez: Eric Shawn, apresentador de um programa dominical da Fox.

Shawn não é a única voz a atravessar a cortina de trumpismo que fez da Fox um sucesso com o público mais conservador, totalmente desassistido pela grande mídia.

Steve Doocy, um dos integrantes do sofá do matinal do Fox & Friends, um programa amigo ao qual Trump costumava não só assistir quando estava na Casa Branca como ligar pelo menos uma vez por semana, transformando a conversa algo inócua numa fonte de notícias quentes, fez outra pergunta bem pertinente: “Por que ele guardava todas aquelas coisas secretas em Mar.a-Lago?”.

“Acho que nenhum presidente jamais transferiu tantos documentos para casa depois de deixar a presidência”, insistiu.

As contestações de Doocy são corretas, a começar pela primeira de todas: por que Trump tomou posse de documentos secretos que pertencem ao governo americano, não a um ex-presidente? 

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“Steve Doocy puxa o tapete de Trump”, manchetou um site amigo de Trump, o Citizen Free Press, mais um sucesso com a marca de Steve Bannon.

Detalhe: o apresentador é pai de Peter Doocy, o setorista de Casa Branca da Fox que invariavelmente – e de modo sempre muito educado – faz picadinho da fraca porta-voz presidencial, Karine Jean-Pierre.

O próprio Trump vive alardeando sua ruptura com a Fox – ou mais exatamente com Rupert Murdoch, o espertíssimo magnata a quem sempre procurou cultivar. Tanto o Wall Street Journal quanto o New York Post, da sua lista de propriedades, já publicaram editoriais com críticas a Trump, considerando que sua atitude durante os protestos de 6 de janeiro, quando o Congresso foi invadido por simpatizantes do presidente que não aceitavam o resultado eleitoral, o desqualifica a uma nova candidatura presidencial.

É um exagero dizer que a Fox está puxando o tapete de Trump, inclusive porque outros nomões, como Sean Hannity e Tucker Carlson continuam inabaláveis.

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Mas é impossível não ver os sinais de que o império Murdoch acha que está na hora de uma correção de rumo.

Na mão contrária, o mesmo está acontecendo com a CNN, que também tomou o caminho da ultrapartidarização durante a era Trump. O canal foi comprado pela Warner Brothers Discovery, o gigantesco conglomerado de mídia e entretenimento e as mudanças têm sido claras, no sentido de “voltar a fazer jornalismo”, nas palavras de John Malone, o bilionário acionista com direito a mandar e desmandar.

Tendo desbravado o caminho do canal de 24 horas de notícia, onde se transformou numa confiável e bastante neutra fonte de informações, a CNN virou um irreconhecível palanque em que toda e qualquer notícia era tratada como munição contra Trump.

Um dos rostos mais conhecidos dessa era, Brian Stelter, cujo programa sobre mídia se tornou dedicado única e exclusivamente a criticar Trump e a Fox, foi dispensado no mês passado.

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Outra mudança de dono que implica em mudança de tom: o site Politico, obrigatório para “todo mundo” em Washington, mas também desvirtuado a ponto de parecer simplesmente um braço do Partido Democrata, foi comprado pelo grupo alemão Axel Springer. Na paisagem política alemã, o principal ativo do grupo, o jornal Bild, é visto como um temível órgão da direita. 

Há um certo exagero nisso, mas o CEO do grupo, Mathias Döpfner, realmente acha que a mídia americana entrou demais na polarização, levando para a esquerda destemperada os títulos mais tradicionais do país, como o New York Times e o Washington Post, enquanto os órgãos de direita caíram no mundo trumpista dos “fatos alternativos”.

O Post fez uma reportagem com Döpfner, que pretende dominar a esfera do jornalismo digital ao redor do mundo, em que desenterrou um e-mail dele a executivos da empresa pouco antes da eleição presidencial americana de 2020 propondo que todos se reunissem “durante uma hora na manhã de 3 de novembro e rezassem para que Donald Trump seja eleito de novo presidente dos Estados Unidos”.

Döpfner que era o tipo de coisa “irônica e provocativa que mandaria a um círculo de pessoas que odeiam Donald Trump”.

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Provavelmente o crítico de música – sua posição original – mais bem sucedido da história do jornalismo, Döpfner disse que seu objetivo é provar as vantagens da não-partidarização.

Boa sorte com isso.

O que aconteceu com o jornalismo foi, em grande parte, resultado da erupção revolucionária dos meios digitais: a fragmentação e a divisão que criam “bolhas” sem vasos comunicantes, uma característica do mundo digital, contaminou todo o resto. Falar aos convertidos virou uma prática a tal ponto comum que publicações de referência, como o Times, deixaram de ter a palavra final. “Saiu no Times” deixou de ser uma garantia de integridade jornalística indiscutível, mesmo para quem divergisse das posições do jornal.

Tem volta nesse caminho? Já não nos habituamos irreversivelmente a ir direto para os jornais. canais ou sites que expressam nossas opiniões e neles nos protegermos de todo e qualquer contraditório? 

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Vai ser interessante ver se grandes nomes como Fox ou CNN dão uma ressetada e atraem um público fora de suas respectivas praias com um artigo de valor imensurável: informações confiáveis.

Trump tem criticado a Fox – “Está promovendo o programa dos democratas” – e, bem a seu estilo, se ofereceu para ajudar a CNN se o canal resolvesse se tornar conservador. “Seria uma mina de ouro”, provocou.

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