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No caminho de Biden: um Kennedy diferente, antivacina, quase sem voz

Algumas pesquisas dão até 20% das preferências dos democratas para o filho de Bobby Kennedy, mesmo com suas ideias conspiracionistas

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 16 Maio 2024, 00h00 - Publicado em 9 jun 2023, 07h20

Em matéria de candidato original, poucos políticos poderiam ser comparados a Robert Kennedy Jr., um ex-viciado em heroína que mal consegue usar o instrumento mais básico da categoria — a voz — e pratica a arte de adestrar falcões desde a infância, marcada, evidentemente, pelo assassinato de seu tio e de seu pai — ambos, segundo acredita, vítimas de conspirações que ocultaram os verdadeiros culpados.

Conspirações são com ele mesmo. Com sua voz quase inaudível — “Odeio me ouvir” —, por causa de uma rara disfonia espasmódica, um distúrbio nas cordas vocais, ele já havia precocemente abraçado a tese de que a vacinação infantil pode provocar autismo por causa do mercúrio em sua composição, não obstante o elemento tenha sido tirado há vinte anos da vacina tríplice, quando aconteceu a pandemia de covid. 

Deu uma química tremenda: ele passou a ter uma militância muito mais visível e muito além dos círculos de defensores de medicamentos naturais, o ambiente onde vicejou originalmente o movimento antivacinação.

A projeção, embora provoque surtos de ódio entre lideranças tradicionais do Partido Democrata, o levou a se candidatar a disputar a eleição presidencial do ano que vem. A aura de seu nome ou talvez a simpatia natural por um candidato que parece irremediavelmente fora da curva, ou uma combinação de ambos, o levaram a ter, segundo pesquisas, até 20% das preferências dos democratas nas eleições primárias. Nem de longe chega perto dos 60% de Joe Biden, mas incomoda e leva a imprensa majoritariamente pró-democrata a tentar desconstruí-lo de todas as maneiras. A televisão ABC chegou a cortar uma parte inteira de uma entrevista que ele deu.

O esporte mais praticado hoje entre os jornalões americanos é ver quem bate mais em Kennedy ou em Ron DeSantis, ambos, teoricamente, sem chances — embora nunca se saiba o que vai acontecer numa campanha em que o republicano mais votado, Donald Trump, foi tornado réu no caso dos documentos sigilosos levados para sua casa, e os 80 anos de Joe Biden podem pesar irremediavelmente.

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O fato de que, tendo toda a herança liberal e posteriormente mais inclinada à esquerda de sua família, Kennedy agora abrace causas identificadas com a direita populista, deixa as elites surtadas. Mais ainda depois que ele deu uma longa entrevista a Elon Musk, transformado em besta fera da esquerda (com participação do surfista Kelly Slater, um militante da antivacinação), e recebeu o apoio de sua antítese, Jack Dorsey, de quem o, de novo, homem mais rico do mundo comprou o Twitter.

“O zumbido constante da paranoia popular aumentou de volume nas últimas décadas”, escreveu o Washington Post numa reportagem em que trata longamente do conspiracionismo de Kennedy- sem atentar para a ironia de que o jornal esteve na linha de frente, e até recebeu um Pulitzer, pela extensa cobertura sobre a associação de Trump com a Rússia, agora oficialmente desmentida por um inquérito oficial.

Mas certamente Kennedy tem uma coleção de posições bizarras. Talvez a mais estranha delas seja a convicção de que o palestino jordaniano Sirhan Bishara Sirhan não matou seu pai, um crime praticado diante de dezenas de testemunhas na cozinha do hotel Ambassador, em Los Angeles, em 5 de junho de 1968, num momento em que Bobby fazia uma fulgurante pré-campanha presidencial.

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Kennedy filho, que tinha nove anos quando o pai foi assassinado, chegou a visitar Sirhan na cadeia, durante a pandemia, enquanto sua mulher, Cheryl Hines, esperava no carro. A atriz ficou conhecida por interpretar, simbioticamente, a mulher de Larry David em Curb Your Enthusiasm. O comediante é uma das estrelas da mais mimada  esquerda caviar do mundo, a de Hollywood, e Kennedy Jr. diz que Cheryl perdeu trabalhos por ser associada a ele, hoje considerado um traidor que abraçou causas da direita populista. 

Cheryl Hines é a terceira mulher dele – a segunda, mãe de quatro de seus seis filhos, se suicidou logo depois do pedido de divórcio feito pelo marido, uma das muitas tragédias das vidas altamente conturbadas do clã.

O próprio Kennedy Jr. não seguiu a carreira programada para sua estirpe — tornar-se promotor em Manhattan e daí preparar uma plataforma política — ao ser preso por posse de heroína. Diz que até hoje segue o programa do Narcóticos Anônimos, “com nove reuniões por semana”. Também é devoto de São Francisco de Assis e costumava ir à missa todos os dias.

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Por causa do escândalo de drogas, ele abandonou os planos de uma carreira política tradicional e abraçou ardorosamente causas ligadas à preservação do meio ambiente e direitos das populações indígenas. Nunca foi eleito para nada e é o primeiro a dizer que a família não vai apoiar sua campanha. A prima Caroline Kennedy, por exemplo, foi recompensada pelo apoio a Joe Biden com a embaixada na Austrália — ela é filha sobrevivente de Jacqueline e John Kennedy.

Ser contra a Big Pharma, a grande indústria farmacêutica, era uma causa da esquerda que virou de direita e isso é o que mais causa repúdio a Kennedy Jr. Além de ser antivacinação, ele acha que o uso excessivo de remédios psiquiátricos provoca os pavorosos assassinatos em massa em escolas, praticados por jovens desequilibrados (e muitos reconheça-se, tomando medicação).

Ele também acredita que “a flor da juventude ucraniana” está sendo sacrificada aos interesses belicistas dos neoconservadores — parece até Tucker Carlson falando. Aliás, elogiou Carlson na entrevista promovida por Elon Musk. Disse também que pretende visitar a fronteira com o México para fechar uma posição sobre a imigração clandestina que já deixou de ser clandestina, com um fluxo de nada menos que 5,5 milhões de pessoas desde que Joe Biden assumiu a Casa Branca.

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Só o fato de Kennedy Jr. entrar na campanha já reaviva o eterno interesse da opinião pública sobre os assassinatos dos dois irmãos, Jack e Bobby que ele atribui, evidentemente, à CIA. Nisso, a maioria dos americanos concorda com o novo candidato: as pesquisas sempre indicam dúvidas e rejeição à versão oficial, principalmente sobre o assassinato do presidente, em 1963, atribuído a um ato isolado de Lee Harvey Oswald.

“A decolagem dele foi vertical”, definiu seu diretor de campanha, Dennis Kucinich, ele próprio um aspirante presidencial sem nenhum chance, em 2008.

Em toda campanha política sem manipulação existe sempre o fator “vai que”, um elemento impoderável que só fica claro depois que acontece. Os profissionais do ramo, dos dois partidos, descobriram muito bem qual foi o resultado de menosprezar e ridicularizar um certo empresário de cabeleira espantosa chamado Donald Trump. 

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Além dos 20% que o apoiariam nas primárias, segundo a última pesquisa da CNN, mais 44% dos consultados disseram que considerariam o nome de Kennedy Jr. 

Vai que…

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