“Guilhotina digital”: todo mundo tem o direito de deixar de seguir famosos
Mesmo que você deteste a causa em nome da qual celebridades como Kim Kardashian estão perdendo seguidores - ou isso dizem os canceladores
Kim Kardashian tem 363 milhões de seguidores só no Instagram. Não vai ficar exatamente abalada por influenciadores com poder de fogo enormemente menor que estão defendendo a “guilhotina digital” para a rainha das celebridades, não por ter feito alguma coisa (tirou ou não uma costela para atingir a cintura inacreditavelmente fina?), mas por não ter se posicionado a favor dos palestinos no atual conflito com Israel.
O argumento é totalmente absurdo: como qualquer pessoa, famosa ou não, ela tem o direito de não se pronunciar sobre um assunto extremamente inflamável – e complexo -, pois tudo o que disser virará polêmica. Pode, inclusive, não aderir à moda do TikTok de agredir Israel.
Taylor Swift (550 milhões de seguidores) e Justin Bieber (593, atrás apenas de Selena Gomez, com 691, e Cristiano Ronaldo, aproximando-se de virar o primeiro humano com um bilhão de pessoas que o seguem) são outros nomes mencionados no movimento pela “guilhotina digital”.
Por mais que a causa repugne àqueles que apoiam o direito de Israel a se defender numa situação altamente complicada, as menininhas um pouco sem gracinha não estão erradas. Seguir ou abandonar um famoso faz parte do jogo e é uma maneira que os anônimos têm de se manifestar ou mandar recados.
A atriz israelense Gal Gadot, formidável como a Mulher Maravilha, perdeu um milhão de seus 109 milhões de seguidores ao defender a cantora Eden Golan na final do Eurovision. Um absurdo? Com certeza. Mas se você discorda da causa ou simplesmente da falta de posicionamento do famoso em questão, tem todo o direito a, pluft, eliminá-lo da sua lista.
“ELES PERDEM TUDO”
Kim Kardashian se transformou o nome principal dessa turma não só porque tudo o que faz vira assunto, principalmente dos sem assunto, mas por ter participado do Met Gala, a festa promovida no Metropolitan de Nova York que se tornou uma espécie de símbolo negativo para os defensores do engajamento dos famosos. Fazer festa e usar as roupas mais extravagantes do planeta – uma parte importante do trabalho das celebridades -, nem pensar, protestam os jovens engajados contra Israel.
“Quando nós os odiamos, eles ganham dinheiro. Quando os elogiamos, eles ganham dinheiro. Mas quando bloqueamos suas contas nas redes sociais e esquecemos completamente seus nomes, eles perdem tudo”, bufou um tiktokeiro anônimo, identificado apenas como “blockout2024”.
Mesmo que boicotes funcionem apenas simbolicamente, mostram como o movimento nas redes sociais é uma parte importante, se não a mais importante, para as celebridades no topo da fama. Cristiano Ronaldo, por exemplo, ganha 3,2 milhões de dólares por postagem no Instagram. No Twitter é um pouco menos: 868 mil dólares (Neymar leva 590 mil).
Imaginem o poder de alguém que isso confere – tanto aos famosos, quanto, indiretamente, a seus fãs.
“SÉRIE SOBRE O NADA”
Com grande poder vêm grandes responsabilidades. Não adianta ter equipes inteiras de mídia social e ter pouco a dizer ou ficar passando lição de moral ou “verdades supremas” para a plebe ignara. Muito menos fazer vídeos envolvendo água em favor das vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul.
O apoio em massa de jovens tiktokers à causa palestina, muitas vezes confundida com o Hamas, é um dos mais importantes fenômenos sociais do momento. É impressionante como as atrocidades cometidas contra israelenses em 7 de outubro simplesmente sumiram do mapa mental dos jovens que seguem a escola do TikTok, entre outras redes sociais.
Até celebridades que eram unanimemente amadas, como Jerry Seinfeld, praticamente o símbolo de uma geração inteira com sua “série sobre o nada”, podem ser repudiadas.
Seinfeld, a encarnação por excelência dos judeus nova-iorquinos que foram jovens nos anos setenta e tinham vidas algo vazias, fez o discurso de formatura da última turma da Duke University e um punhado de formandos se retirou em protesto, agitando bandeiras da Palestina.
Logo em seguida, os novos inimiguinhos ressuscitaram histórias sobre o namoro dele, nos anos noventa, com uma jovem de 17 anos, Shoshanna Lonstein Gruss. Ele tinha 38 e considerou seriamente se casar com ela.
“SIONISTA GENOCIDA”
Foi uma relação imprópria? Houve exploração de um comediante no auge da fama? A diferença de idade seria hoje alvo de total repúdio?
As respostas podem ser diferentes, mas não é errado vigiar a vida dos famosos, por mais que soe injusto ou persecutório.
Seinfeld também foi chamado de “sionista genocida fanático”, uma insanidade que dá uma ideia de como o antissemitismo pode, rapidamente, mostrar sua cara maldita.
“Jerry Seinfeld não pode mais ser sobre o nada”, disse o New York Times numa reportagem sobre o cauteloso, mas firme, envolvimento do comediante em causas judaicas, inclusive uma visita a vítimas do 7 de outubro.
Nem ele nem Kim Kardashian, aparentemente.