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Foi Francisco um bom papa? Como todos pecadores, teve ambiguidades

O argentino honestamente quis fazer o melhor pela Igreja e os fiéis, mas enfrentou forças históricas acima até de um papa

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 21 abr 2025, 08h56 - Publicado em 21 abr 2025, 07h44

Jorge Mario Bergoglio foi um argentino completo: gostava de argumentar sobre tudo e sobre todas as coisas, se defendia no tango e na milonga, era loucamente apaixonado pelo time San Lorenzo, tinha um lado populista.

Fazia até piadas sobre seus compatriotas. Uma delas: “Sabe como os argentinos se suicidam? Sobem no ego e se jogam lá de cima”.

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Cultivador da simplicidade e da autodisciplina, recusando-se até a morar nos esplendorosos apartamentos papais do Vaticano, aos quais ganhou o acesso quando foi eleito, com seus sapatos bem usados, uma pasta de couro gasta e o projeto de “alcançar as periferias”, literais e simbólicas, ele também tinha um ego argentino.

Os que incorreram em sua ira viram isso, chamaram-no do vingativo e deliberadamente ambíguo, falando ora uma coisa, ora seu exato oposto, como ao condenar o aborto e reclamar que os bispos americanos eram muito focados nisso. A um deles, dom Raymond Burke, tirou o apartamento no Vaticano, o salário de cardeal aposentado e até a multicentenária Ordem de Malta. “Trabalhava contra a Igreja”, fulminou.

Eram, todos os seus críticos, da linha conservadora com quem Francisco comprou inúmeras brigas. O papa era progressista, na falta de palavra melhor, influenciado pela opção preferencial pelos pobres, principalmente os imigrantes. Queria uma Igreja simples, voltada para os mais humildes, com abertura para mulheres e cultos tradicionais das populações mais isoladas, incluindo o animismo indígena. Ao contrário dos adversários, que viam, ou continuam vendo, nos ritos e no tradicionalismo o caminho certo para a sobrevivência de uma religião em retrocesso, mesmo que com menos fieis.

Leia mais: Como as reformas do pontífice transformaram a Igreja Católica

BICOS COMO SEGURANÇA

O movimento das placas tectônicas da história que conduziu a isso, obviamente, está acima da vontade e dos atos de qualquer papa. A declínio da Igreja Católica é, em muitos sentidos, o declínio da civilização ocidental.

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Mas Francisco tentou redinamizar a Igreja, é preciso reconhecer. Como passará a história é outra questão. Um dos maiores “papas maus”, os pecadores cheios de cobiça e sede de poder da época do Renascimento, foi um devasso nepotista que criou a Inquisição Espanhola e fez muito mal à reputação da Igreja. Hoje é mais lembrado pela Capela Sistina, uma das mais sublimes construções humanas, que encomendou a Miquelângelo. O tempo muda muito a estatura histórica.

O povão gostava de Francisco e de seu jeito acessível, ao contrário do refinado intelectual e teólogo que o antecedeu, Bento XVI, o papa alemão cuja renúncia até hoje provoca tantas teorias conspiratórias. Francisco ganhou o Brasil quando disse que Deus é brasileiro, mas o papa é argentino.

A favor dele também conta que tinha uma relação direta com Deus. Contou, sem matar a curiosidade sobre os detalhes, a revelação que teve quando entrou na igreja de São José das Flores, em seu bairro portenho, e ouviu um chamado direto do Chefe para abraçar o sacerdócio. Tinha 17 anos. Antes de entrar para o seminário, trabalhou num laboratório de análises químicas e fez até bicos como segurança de boate. Por caso dessa juventude na vida civil, muita gente pergunta se o papa namorou antes de seus votos, Nunca disse, mas nomeou para o Dicastério da Fé um bispo argentino especialista em beijos, por mais que a premissa parece incongruente. Foi mais uma provocação aos tradicionalista.

Leia mais: Morte do papa Francisco: como funciona um conclave?

“Está nervoso?”, perguntou o padre canadense Thomas Rosica, um conhecido com quem o cardeal Bergoglio cruzou na Piazza Navona durante o altamente tenso período de eleição de um novo papa. A ascensão do nome do argentino nas sucessivas eliminatórias era, então, completamente inesperada.

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“Um pouco”.

Em questão de 24 horas, Bergoglio surgiu no balcão da basílica de São Pedro. Já era Francisco, seguindo a tradição papal de mudar de nome.

PESO DO TRONO

Foi uma festa na Argentina, apesar do grave escorregão da esquerda peronista, ressuscitando uma história do tempo da ditadura, quando Bergoglio foi acusado de colaborar com os militares na prisão de dois padres que ajudavam a esquerda armada.

Parece incrível, à luz do que se seguiu, mas diziam que o papa era de direita. No Vaticano, ele revelou mais simpatias pelo peronismo do que seria apropriado, boicotando Mauricio Macri quando foi presidente e recebendo sindicalistas agora que Javier Milei está na Casa Rosada. A Alberto Fernández, só sorrisos.

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Há católicos mais velhos que, quando abrem o coração, dizem ter saudade de João Paulo II, o papa que conciliava o lado popular com o apego à doutrina tradicional e o carisma da comunicacão – talvez uma combinação irreproduzível.

Leia mais: Papa apresentou sua versão de carne e osso em autobiografia; leia trecho

Depois de um polonês, um alemão e um argentino, quem será o novo papa?

Nenhum dos nomes cogitados parece ter grande apelo, mas a partir daquele momento no balcão de São Pedro, muita coisa muda. Ser papa é uma experiência que apenas 266 homens tiveram nos últimos dois mil anos. E até um argentino deve ter sentido que o peso do Trono de São Pedro é maior do que tudo, inclusive os egos de seus ocupantes.

“Ad majorem Dei gloriem”, diz o lema dos jesuítas, a ordem na qual Francisco foi forjado. Seu papado cumpriu o imperativo de fazer tudo pela maior glória de Deus? Para os que acreditam, ele agora deve estar discutindo isso com o Chefe.

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