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Feministas contra trans: na Escócia, mais um capítulo da complexa briga

Polícia chegou a ir na casa da criadora de um centro para mulheres vítimas de violência por insinuações de que ela propagava discurso de ódio

Por Vilma Gryzinski 2 fev 2022, 07h40

Primeiro vamos colocar o contexto: a Escócia, um país que se transformou num dos mais avançados polos do pensamento – e da práxis – politicamente correto.

Num exemplo desse comportamento, uma mulher trans de origem indiana, Mridul Wadthwa, se tornou no ano passado a diretora do Edinburgh Rape Crisis, um centro criado por mulheres em 1978 para acolher vítimas de estupro.

Nessa condição, ela passou a dizer que as vítimas que demonstrassem “preconceito” seriam confrontadas. Disse também que o processo de enfrentar o preconceito – sinônimo para não aceitar mulheres trans em espaços reservados a mulheres biológicas – fazia parte da “superação”  e aceitação do trauma da violência sofrida.

A coisa se complicou mais um pouco quando Nicola Murray, criadora de uma casa de acolhimento específico para mulheres que sofreram aborto por causa da violência doméstica, divulgou que não iria mais direcionar vítimas para o centro comandado por Wadthwa, por considerar as posições defendidas por ela “extremamente preocupantes”.

Capítulo seguinte: a polícia bateu na porta de Nicola Murray. Isso mesmo, ela entrou na mira das autoridades por tuitar que o abrigo sob sua direção era destinado apenas a mulheres biológicas.

“O que está acontecendo nesse mundo quando a Polícia da Escócia visita uma mulher para dizer que ela não cometeu nenhum crime de ódio, mas que precisam ‘esclarecer o que estava pensando quando fez sua declaração’. Isso se chama totalitarismo”, protestou Joanna Cherry, deputada pelo SNP, o partido independentista da Escócia.

Outro desdobramento: o lobby feminista Fair Play for Women apresentou uma queixa oficial contra a polícia escocesa. Especificamente, pela declaração de um vice-comandante, Gary Ritchie, ao defender a ação de seus subordinados dizendo que “crimes de ódio ou discriminação de qualquer tipo são lamentáveis e totalmente inaceitáveis”. Com isso, insinuou que Nicola Murray havia se comportado de forma condenável.

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Chegamos assim a mais um capítulo das relações tensas, quando não beligerantes, entre feministas mais tradicionais e militantes trans.

As primeiras são contra a abertura de espaços como abrigos ou alas hospitalares a mulheres trans que não fazem as alterações físicas para se qualificar no novo gênero. 

Também não aceitam que, em nome de não causar ofensa a homens trans – biologicamente, mulheres – que engravidam, todo o vocabulário específico do universo feminino – incluindo as palavras “mãe”, “maternidade”  e “amamentar” – seja eliminado da linguagem oficial.

Esta corrente feminista tem até uma designação injuriosa, TERF, ou feministas que excluem trans, em inglês.

A discussão, de tão surreal,  parece ocorrer num universo paralelo, mas está acontecendo no mundo real, especialmente na Inglaterra e na Escócia.

O assunto, por motivos óbvios, é delicadíssimo. Ser acusado de “transfobia” é praticamente uma sentença de eliminação social. Na Inglaterra, a organização que defende direitos para transexuais e a qualificação de gênero baseada exclusivamente na autodeclaração, Stonewall, tornou-se influente e poderosa em múltiplas esferas da vida pública.

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Para dar orientação e cursos sobre o tema, já assinou contratos com instituições como a BBC , o Ministério das Relações Exteriores e as três forças armadas, que pagaram 80 mil libras pela assessoria. O NHS, o serviço de saúde pública, pagou meio milhão de libras ao longo de três anos. Ao todo, órgãos públicos colocaram mais de três milhões de libras

Recentemente, algumas dessas instituições, incluindo a BBC e órgão responsável por inspecionar as escolas públicas, afastaram-se da Stonewall.

A batida na porta – sinônimo, no mundo anglos-saxão, de estado autoritário – de Nicola Murray mostrou que a discussão ainda tem muito espaço para esquentar.

“No futuro, o momento atual pode ser visto como o início de um movimento justo que abriu os olhos da sociedade para uma injustiça evidente”, escreveu o Telegraph. “Mas também pode ser visto como uma aberração espantosa, um período em que, tomados por uma falácia passageira, passamos a encarar o gênero não como uma realidade biológica objetiva, mas como um espectro subjetivo”.

O fato de que as duas proposições podem ser, simultaneamente, verdadeiras, ou parcialmente misturadas, acrescenta várias camadas de complexidade.

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