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Existem culpados pelo horror do terremoto na Turquia? Erdogan irá atrás

Mais de 130 donos de construtoras presos ou com mandado de prisão decretado podem virar o bode expiatório que o presidente usará para se eximir

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 14 fev 2023, 07h40 - Publicado em 14 fev 2023, 07h40

“Venha, fotografe a minha criança”. Com estas palavras Mesut Hançer venceu o constrangimento do fotógrafo que fazia de longe o registro da imagem que virou o retrato do horror que recaiu sobre a Turquia e a Síria: um pai devastado segurando a mão da filha morta.

Adem Altan, o fotógrafo, ficou com lágrimas nos olhos. Perguntou qual o nome da menina. Irmak. Quinze anos. Esmagada por uma laje de concreto na cama em que dormia na madrugada fatídica.

Mas além da emoção que levou milhares de pessoas em todo mundo a procurar Mesut Hançer para manifestar solidariedade, olhos bem treinados avaliaram os escombros. Eram iguais aos milhares de prédios onde ainda estão aprisionados os corpos que levarão a um número de vítimas pelo menos duas vezes maior do que os atuais 37 mil. 

Engenheiros detectam logo de cara o “efeito panqueca” nos prédios em que as lajes caem umas sobre as outras, provocando destruição total como pequenos Onze de Setembros tivessem sido espalhados pelas cidades mais afetadas. E não são prédios velhos ou em zonas menos desenvolvidas: os dois terremotos, de 7,8 e 7,6 graus de intensidade, foram igualmente devastadores para pobres, classe média e ricos.

Terremotos são “atos de Deus”, forças imprevisíveis desfechadas quando as grandes placas tectônicas se chocam. O da Turquia foi tão violento que a placa principal se movimentou assombrosos três metros.

Mas não são incontroláveis. Basta olhar para o Japão e ver como técnicas construtivas adequadas poupam vidas num país que parece existir sobre um mar de gelatina.

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Em pelo menos quatro hospitais da região da Turquia mais atingida, as técnicas funcionaram. As construções são mais recentes e dotadas de sistemas de isolamento sísmico, grandes aros colocados nas pilastras de sustentação entre o subsolo e o térreo. Os hospitais tremeram, como tudo mais, mas continuaram firmes.

E os outros prédios desabados que se estendem por quilômetros de destruição quase indescritível?

Um engenheiro consultado pelo jornal Hurryet, Umit Kaçmaz, disse que o custo de cada coluna isolante é de quatro mil euros. Para uma casa comum, a conta chega a 80 mil euros. O que acontece a partir daí não é difícil de entender para os brasileiros.

Apesar das construções modernas e suntuosas, às vezes ultrapassando a tolerância com o mau gosto, que são uma das marcas do governo de Recep Tayyp Erdogan, existe um jeitinho turco.

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O prefeito de Ersin, na trilha da destruição da região de Hatay, mostra a área sob sua administração, com mais de 40 mil habitantes e nenhuma vítima. Houve prédios com rachaduras, mas nada desabou. Como é possível? “Eu não permiti nenhum tipo de construção clandestina. Houve quem tentasse, mas depois nós os denunciamos à promotoria. Também fizemos demolições”, responde Okkes Elmasoglu.

“Nossos cidadãos precisam não admitir nenhuma licença para construções clandestinas e eles mesmos não recorrer a tais iniciativas”, aconselha o prefeito.

Com uma eleição chegando e um clima de revolta pela demora no socorro, Erdogan pretende dar uma resposta exemplar. Já foram presos ou tiveram mandado de prisão expedido 131 responsáveis por construtoras. Dois já estavam no aeroporto para deixar o país. Outro foi acusado de diminuir o número de pilastras para aumentar o espaço útil de um prédio que virou pós. Também foi aberta uma investigação especial, o Inquérito sobre Crimes do Terremoto.

Habilíssimo na construção de um regime em que ele fica cada vez mais importante e a oposição cada vez menos operante, Erdogan com toda certeza vai jogar pesado. Sabe muito bem que a sua própria sobrevivência política pode desmoronar como os prédios que viraram montanhas irreconhecíveis de escombros.

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Como é próprio desses desastres, “milagres” continuavam a acontecer nove dias depois da hecatombe e os derradeiros sobreviventes eram arrancados das tumbas em que suas casas se transformaram. 

Tudo o que podia dar errado nesse desastre, deu. Era madrugada e todo mundo estava em casa dormindo. O frio excepcional mesmo para o inverno pode ter matado um número impossível de calcular de sobreviventes. Equipes de socorro demoraram a chegar porque aeroportos da região estavam inutilizáveis.

No grande terremoto do ano 557 em Constantinopla, hoje Istambul, a cúpula da sublime catedral de Santa Sofia rachou e acabou ruindo. Parte das muralhas da época romana desmoronou, facilitando a invasão dos hunos – os originais – dois anos depois.

O historiador bizantino Agátias relatou que, sob o impacto do desastre, os ricos fizeram atos de caridade, os incréus passaram a rezar e os devassos procuraram a virtude. Mas logo retomaram os hábitos de sempre.

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O que acontecerá com as empresas de construção que não cumprem as regras ainda está por ser visto.

Mas a situação atual é altamente inflamável. Existe um ressentimento recente com refugiados sírios, entre as populações mais atingidas, e a divisão eterna entre turcos e curdos. Em outros desastres, curdos denunciaram que suas construções eram de pior qualidade por causa da discriminação e da corrupção.

Socorristas israelenses tiveram que deixar o país por causa de “ameaças imediatas”. Equipes da Áustria e da Alemanha procuraram a proteção do Exército por causa dos rumores de sequestro de estrangeiros, como forma de impedir o governo de sepultar as vítimas em covas coletivas. Setores que não conseguem viver lado a lado não imaginam enterrar seus mortos juntos.

A comoção nacional com o heroísmo de socorristas que arriscam tudo para tirar sobreviventes que pareciam condenados a uma horrível morte lenta vai passar – e a raiva vai aumentar. Erdogan sabe disso muito bem.

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