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Encrenca russa: um general rebaixado, um desaparecido e um morto

Por falar exatamente como o mercenário Prigozhin, comandante perde o posto na linha de frente, um dos vários problemas entre os estrelados

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 14 Maio 2024, 00h18 - Publicado em 14 jul 2023, 07h54

O efeito Prigozhin continua a pairar sobre as Forças Armadas russas e o caso mais recente, do general Ivan Popov, removido de um dos comandos mais importantes da guerra contra a Ucrânia, mostra que o ambiente vai continuar agitado na cúpula militar.

Um detalhe impossível de não ser notado: enquanto o Kremlin confirmava que Vladimir Putin se reuniu como Ievgueni Prigozhin, mesmo depois da rebelião que o levou a ser chamado de traidor, um militar de carreira, respeitado pela tropa, era punido por falar coisas parecidas com as ditas pelo chefe do Grupo Wagner.

É possível até ouvir as estrelas tremulando nos ombros do alto escalão, um efeito acentuado pelo fato de que Serguei Surovikin, alcunhado General Armagedom e considerado um aliado de Prigozhin, está sumido desde a rebelião.

Inacreditavelmente, o deputado Andrei Kartapolov, que preside a Comissão de Defesa da Duma, o parlamento russo, disse que Surovikin estava “descansando”. Não “descansando” no sentido imprimo à palavra por Stálin, que no auge dos expurgos no Exército Vermelho, mandou executar 46 generais num único dia, mas também não significando que vai voltar todo animado depois do “repouso”.

Quando eclodiu a rebelião, rapidamente encerrada com um acordo muitíssimo mal explicado até agora, funcionários da inteligência americana disseram ao New York Times que Surovikin tinha um “conhecimento avançado” dos planos rebeldes. Se ele sabia, mas não fez nada, obviamente foi um cúmplice.

A coisa mais normal que aconteceu com militares estrelados nos últimos dias foi a morte do general Oleg Tsokov, num ataque feito pela Ucrânia com um Stormshadow, míssil fornecido pela Grã-Bretanha, contra a localidade ocupada de Berdiansk. Algumas contagens o colocam como o nono general morto em combate, um número excepcional: general tem que comandar na retaguarda, levando em conta os objetivos estratégicos, e não ir para a linha de frente do combate tático, um risco inútil que parece ter sido desencadeado desde que a invasão não saiu exatamente como os russos planejavam.

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A declaração divulgada em áudio pelo general Popov, comandante de operações na região de Zaporijia, onde fica a maior usina nuclear ucraniana, coincide exatamente com o que costumava dizer o ex-presidiário Prigozhin sobre a negligência criminosa do alto comando e implica que outros militares russos pensam como ele.

“Como muitos comandantes dizem hoje, nosso exército não foi penetrado pelas Forças Armadas ucranianas no fronte. Mas foi atingido na retaguarda por nossa liderança principal, decapitando nosso exército, traiçoeira e torpemente, no momento mais difícil e tenso”, diz Popov no explosivo áudio compartilhado no Telegram por um ex-militar e atual deputado, Andrei Guruliov — um sinal evidente de que a mensagem dele tem apoio de altos escalões.

A “liderança principal” é formada pelo o ministro da Defesa, Serguei Shoigu, e o chefe do estado-maior das Forças Armadas, general Valeri Gerasimov, justamente os alvos dos maiores ataques de Prigozhin.

“Eu chamei a atenção para a principal tragédia da guerra moderna, falta de fogo de contrabateria, falta de estações de reconhecimento de artilharia e mortes e ferimentos em massa de nossos irmãos atingidos pela artilharia inimiga”.

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A acusação de Popov tem um interesse adicional: o poder superior da artilharia russa é um dos fatores que mantém a Ucrânia em situação de inferioridade, embora o fornecimento de equipamentos avançados de países ocidentais equilibre mais a situação. O general removido do comando denuncia falhas justamente no ponto forte do russos.

Shoigu percebeu “algum tipo de perigo em mim”, acusou ele, e em um dia assinou a ordem que o retirava do comando. Claro que nunca faria isso sem a concordância — ou a ordem — de Putin.

O ministro da Defesa, que é um civil com direito a usar farda cheia de medalhas por causa do posto que ocupa, aparentemente tinha sido prestigiado depois da rebelião estranha de Prigozhin e apareceu em vídeos visitando tropas. Quem também reapareceu foi Gerasimov, colocado no comando direto das forças invasoras depois que o General Armagedom se saiu mal.

Prestígio momentâneo quer dizer exatamente isso: não garante nada. As peças ainda estão sendo movimentadas no tabuleiro.

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E enquanto comandantes regulares perdem pontos, Prigozhin parece enigmaticamente inabalável e negocia cara a cara com Putin. Informação mais recente: Putin teria oferecido ao Grupo Wagner que continuasse na ativa na Ucrânia, mas liderados por um comandante conhecido apenas pelo nome de guerra, Cabelo Branco, no lugar de Prigozhin. A proposta foi recusada, num sinal espantoso de que o Wagner tem cacife para isso e nos seguintes termos, ditos pelo chefe mercenário: “Os rapazes não vão aceitar isso”.

Outra informação da semana: contratos da sua empresa, Concord, para o fornecimento de refeições a várias instituições públicas, incluindo forças armadas, hospitais e escolas, foram renovados depois da rebelião. São nove contratos num total equivalente a 11 milhões de dólares. A Concord foi a base a partir da qual o ex-dono de restaurante Prigozhin, em coordenação com Putin, construiu sua fortuna e depois entrou no campo da milícia armada colocada a serviço do estado.

Logo depois da rebelião, Putin disse que o governo havia pagado o equivalente a mais de 880 milhões de dólares à Concord, no ano passado, pelo fornecimento de refeições.

“Espero que ninguém tenha roubado nada ou tenha roubado muito pouco; de qualquer maneira, vamos cuidar disso”, acrescentou, espantosamente, Putin.

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Claro que foi roubado muito, isso fazia parte do acordo. E talvez continue fazendo. Os generais também tinham seu quinhão, mas a guerra apareceu no caminho tranquilo que toda a cúpula trilhava.

As coisas ficaram notavelmente mais complicadas desde então. “Eu não tinha o direito de mentir em nome de todos meus amigos que morreram em combate”, disse Popov, num desabafo nunca feito por outro militar de carreira dessa forma – o meio mais comum são os blogs militares, que fervilham de críticas de oficiais de patentes mais baixas. “Portanto, tracei todos os problemas enfrentados pelo exército em termos de prontidão para o combate e abastecimento”.

“Caros gladiadores, fui suspenso do serviço e aguardo meu destino militar”.

Popov, que usa o nome de guerra de Espártaco, sofrerá outras punições ou será “perdoado” como Prigozhin? Muitos dos próximos desdobramentos na Rússia dependem da resposta a esta pergunta.

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