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É possível que Putin, um ex-espião, esteja repetindo erros de Stalin?

Serviços de inteligência russos teriam dado versão manipulada sobre invasão da Ucrânia para não desagradar o chefe

Por Vilma Gryzinski 1 abr 2022, 05h35

Os assessores de Vladimir Putin “têm medo de dizer a verdade” sobre os problemas enfrentados na Ucrânia e o presidente russo “superestimou a capacidade de uma vitória rápida”.

Muita gente boa já fez a mesma análise, mas a mais recente avaliação vem de uma fonte qualificadíssima: Jeremy Fleming, o diretor do serviço de inteligência eletrônica do Reino Unido, conhecido pela sigla GCHQ.

“Nós sabemos que a campanha de Putin está assolada por problemas: moral baixo, erros logísticos e alto número de baixas. A operação de comando e controle está um caos. Vimos Putin mentir para seu próprio povo para tentar esconder a incompetência militar”, disse.

Outro informante de alto calibre, americano, preferiu o anonimato, para dizer que Putin “se sentiu enganado pelos militares russos” e já rifou oito generais.

Dá para acreditar nesse tipo de interpretação, bem no meio de uma guerra, com todos os interesses envolvidos? E dá para imaginar que Putin, ex-agente da KGB, portanto um especialista em informações manipuladas – por seu próprio pessoal, para não ficar mal com a chefia -, tenha sido enganado?

Sim e não. Os fatos no campo de batalha mostram que o ataque em três eixos que conquistaria a Ucrânia “em uma semana” não saiu conforme o planejado. E são vários os exemplos de soldados russos que sabotam o próprio equipamento, reclamam da falta de comida – um telefonema interceptado fala até em guisado de cachorro para suprir a falta de carne – e se queixam que sequer sabiam da missão original. 

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Numa força de mais de 150 mil homens – e com recrutas comuns, ao contrário do que disse Putin inicialmente -, isso não causa nenhuma surpresa. Não há indícios de indisciplina em massa e readaptar planos operacionais faz parte da realidade do campo de batalha. Os percalços sequer são conhecidos pela população russa, que na pesquisa mais recente apoia Putin esmagadoramente – nada menos que 83% de aprovação.

Mas Putin foi enganado, em alguma medida, por informação errada ou não aceitou a informação certa?

Nesse caso, estaria repetindo, em escala muito menor, o erro monumental de Stalin ao rejeitar nada menos que 47 vezes, em dez dias, as informações dos serviços secretos com a data praticamente precisa da invasão que Hitler desfecharia contra a União Soviética em 22 de junho de 1941.

O levantamento foi feito por Arsen Martirosyan, um historiador militar russo.

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“Agora eu tenho que acreditar nesse m•••• com seus bordéis no Japão?”, reclamou Stalin quando recebeu um dos extraordinariamente precisos relatórios de Richard Sorge, comunista alemão que se transformou em agente russo e estrela da Orquestra Vermelha, a rede de espiões a serviço de Moscou por convicção ideológica.

Sorge, que fazia o estilo louco por mulheres e bebidas que viria a inspirar Ian Fleming, o criador de James Bond, avisou em 12 de maio de 1941 que 170 divisões alemãs invadiriam a União Soviética no mês seguinte. Errou a data por apenas dois dias. Ele tinha uma fonte impecável: o embaixador alemão em Tóquio, que não se opunha ao caso de Sorge com sua mulher (o espião acabou descoberto, preso, torturado e fuzilado pelos japoneses em 1944).

Outra fonte mais impecável ainda: o embaixador alemão em Moscou, Friedrich-Werner von der Shulenburg, confidenciou ao embaixador russo em Moscou que a invasão estava prestes a ser desfechada. Shulenburg era crítico do nazismo e seria morto depois da fracassada conspiração para assassinar Hitler.

“A desinformação agora chegou ao nível de embaixador”, reclamou Stalin, convencido, contra todas as evidências, inclusive a concentração de 2,5 milhões de soldados alemães na fronteira, que tudo não passava de um ardil de Churchill para atrair a URSS para a guerra – naquela altura, a Inglaterra era o único foco de resistência à Alemanha na Europa não-russa.

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O erro de Stalin foi contrabalançado pelo engano fatal de Hitler. Convencido de que a ofensiva em três frentes, para conquistar Moscou, Leningrado e Kiev, também seria fulminante, ele dava a vitória por certa em questão de meses – antes da chegada do general inverno. Em Mein Kampf,  ele já descrevia como seria uma Rússia colonizada por alemães, que viveriam “em belas e espaçosas fazendas”. As instituições públicas alemãs funcionariam “em prédios magníficos; os governadores, em palácios” e “o mais humilde de nossos cavalariços seria superior aos nativos”.

“Só temos que chutar a porta e a estrutura podre desabará”, disse Hitler a Alfred Jodl (o general que em 1945 assinou a rendição alemã, foi julgado por crimes de guerra em Nurembergue e executado na forca).

A história demonstrou qual erro custou mais caro: Hitler se suicidou no bunker de Berlim e, depois da derrota alemã,  Stalin passou a usar uma túnica branca de generalíssimo, embora fizesse de conta que não gostava da honraria. 

Inicialmente, a ofensiva foi catastrófica para os soviéticos, com o Exército Vermelho dizimado pelos expurgos que consumiram 36 mil oficiais. A maré só começou a virar quando Stalin parou de matar generais e passou a ouvi-los.

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O número de soviéticos mortos na guerra é calculado entre 17 e 27 milhões de pessoas. O sacrifício astronômico agora é um dos instrumentos usados por Putin para justificar o expansionismo russo e atiçar os sentimentos patrióticos da população. 

A ameaça de cortar o gás dos países importadores europeus se não pagarem em rublos é outro lance formidavelmente audacioso, com grande apelo ao público interno que se sente vitimizado pelas sanções econômicas.

E não é um lance de um homem que não tenha escrutinado sistematicamente todas as cartas que tem na mão. Algumas, nem colocou na mesa ainda.

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