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‘Dê um tiro na cabeça’, diz aliado do ex-presidente argentino espancador

Está convulsionada a política por causa das fotos chocantes mostrando a ex-mulher de Alberto Fernández, vendido como sujeito amável e impoluto

Por Vilma Gryzinski 12 ago 2024, 06h51

Alberto Fernández foi um presidente espetacularmente ruim – tanto que desistiu de concorrer à reeleição, destroçado por uma gestão econômica catastrófica, e não conseguiu fazer o sucessor que o desprezava, Sergio Massa. Encerrou o mandato único dizendo que saía de cabeça erguida, sem nenhum escândalo. Está sendo atropelado pela realidade: uma investigação por corrupção no ramo de seguros de órgãos públicos levou à apreensão do celular de sua secretária particular e, daí, à revelação chocante do espancamento de sua mulher, Fabiola Yañez, de quem se separou oficialmente no ano passado.

Uma das figuras públicas mais conhecidas do peronismo, o agitador profissional Luis D’Elia, conhecido pelos métodos nada gentis, comentou sobre o amigo que ocupou a Casa Rosada: “Se Alberto Fernández tem um pouco de dignidade, tem que se trancar em seu quarto, fazer uma carta pedindo perdão a Fabiola, a seus filhos, a seus companheiros e ao povo argentino, e dar um tiro na cabeça”.

Além das fotos, reveladas pelo site argentino Infobae, há também a troca de mensagens, com Fabiola reclamando que “há três dias você me bate sem parar”. O olho roxo e um hematoma no braço são praticamente irrespondíveis.

Ele reclama que se sente mal, não consegue respirar e outros clássicos de culpabilização da vítima.

“NÃO DIGA A NINGUÉM”

O escândalo tem um aditivo: também veio à tona um vídeo feito no gabinete presidencial na Casa Rosada pelo próprio Fernández, mostrando um relacionamento íntimo com outra mulher muito mais jovem, Tamara Pettinato, jornalista de televisão interessada na personalidade fascinante do ex-presidente e outros atributos que estranhamente desapareceram no ar depois que ele deixou o poder.

“Eu pedi ajuda a várias pessoas e estas pessoas não me ajudaram”, disse Fabiola numa entrevista ao Infobae depois do escândalo. Ela afirma que foi até o Ministério da Mulher, mas não recebeu respostas. Isso é um sério indício de que todo mundo do círculo do poder sabia da violência e maus-tratos. Ex-funcionários já deram declarações sobre outras agressões ao jornal La Nación.

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Segundo Fabiola, o ex-marido a acusava de ser culpada pela derrota do governo na eleição presidencial do ano passado. No celular da secretária, a fiel assessora a avisa numa das mensagens sobre as imagens demonstrando a violência física sofrida: “Não diga a ninguém que me passou essas fotos”.

Fabíola não disse, até que as fotos foram identificadas na investigação por corrupção e o escândalo explodiu.

COLAR DE PÉROLAS

Uma das grandes ironias, entre outras, inclusive o fato de que Fernández criou o Ministério das Mulheres (fechado por Javier Milei, para desgosto de quem considerava o antecessor um “presidente feminista”), é que ele foi escolhido como um poste por Cristina Kirchner para substituí-la na presidência justamente por ter uma imagem mais palatável e menos polarizadora do que ela.

Existem igualmente vários relatos de que Néstor Kirchner, conhecido por esmurrar assessores que o desagradavam, também batia em Cristina.

Num dos episódios relatados, ele bateu três vezes na cabeça dela com um jornal enrolado ao ler que havia usado um colar de pérolas avaliado em 50 mil dólares numa cerimônia pública. “Já disse para você não usar mais essa m****”, foi a frase atribuída a Néstor Kirchner.

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Cristina sempre desmentiu os episódios relatados. Agora, pegou pesado com o ex-protegido.”A misoginia, o machismo e a hipocrisia não têm bandeira partidária e atravessam a sociedade em rodos os seus estamentos”, disse, numa avaliação precisa. E ainda apunhalou: “Alberto Fernández não foi um bom presidente”.

COMISSÕES MILIONÁRIAS

Num caso com provas tão avassaladoras ninguém saiu em defesa do ex-presidente. Na verdade, talvez ele tenha ficado com poucos amigos depois de deixar o poder.

Em compensação, deixou pistas, muitas delas reveladas pela apreensão do celular de sua secretária, María Cantero.

Por incrível coincidência, era o marido dela, Héctor Martínez Sosa, um dos maiores intermediários de seguros feitos por instituições do Estado durante o governo Fernández com uma única empresa.

Na lista de instituições que fizeram esses seguros (incêndio, responsabilidade civil, acidentes de trânsito e outras modalidades), com milionárias comissões figuram a Suprema Corte de Justiça, o Banco Central, a Universidade de Buenos Aires, o Fundo Nacional das Artes, a Casa da Moeda e quatro ministérios.

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Javier Milei foi eleito justamente por defender que múltiplas instituições públicas existem puramente para arrancar o suado dinheiro dos argentinos, hoje apertados pelo remédio amargo da recessão e do corte de todos os gastos públicos, métodos usados pelo presidente que se define como anarcolibertário.

CULPA DA MULHER

Fabiola tinha 32 anos, e uma carreira incipiente como atriz, e terminava o curso de jornalismo quando conheceu o professor de Direito que havia ido dar uma palestra na Universidade de Palermo. Fernández tinha 54.

Foi uma primeira-dama que não se meteu em assuntos políticos publicamente nem ambicionou sucedê-lo, como tantas na história Argentina – Isabelita Perón e Cristina Kirchner conseguiram. Teve um filho durante o mandato dele, Francisco, batizado em homenagem ao papa. Só protagonizou um escândalo, o do jantar de aniversário para um grupo de amigos durante a pandemia, quando vigorava a proibição de reunião de múltiplas pessoas mesmo em casa.

As fotos da confraternização vazaram e Alberto Fernández, cavalheirescamente, pôs a culpa na mulher: “Minha querida Fabiola convidou para um brinde que nunca deveria ter sido feito”. Também datam dessa época as fotos de Fabiola com marcas de agressão encontradas no celular da secretária, a quem aparentemente ela havia pedido socorro.

Inicialmente, Fabiola não quis apresentar queixa, mas depois disse que não aguentava mais o “terrorismo psicológico” e o “assédio telefônico”, que continuavam mesmo depois da separação. Embora ela esteja morando na Espanha, com o filho de dois anos, e Fernández num apartamento em Porto Madero, foi ordenado um reforço de segurança. Para isso, dois agentes policiais foram deslocados para a Espanha. Fernández está proibido de qualquer contato com a ex-mulher e todos os seus dispositivos eletrônicos foram apreendidos.

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GRATIDÃO ETERNA

No começo da pandemia, o ex-presidente chegou a ter 90% de aprovação ao encarnar o paizão protetor que mantinha todo mundo em casa, fechadinho, por segurança. Como a coisa não acabava nunca e o recolhimento passou a ser chamado de “quarenterna”, o prestígio presidencial foi desmoronando. Acabou deixando a Casa Rosada com a popularidade no chão e o país com 211% de inflação.

Alberto Fernández manteve a gratidão eterna do presidente Lula da Silva por ter ido visitá-lo quando estava preso.

Também apoiou o filho do primeiro casamento, Estanislao, que vive uma personalidade alternativa como a drag queen Dyhzy.

Mostrou-se firme ao defender o princípio de que, na Venezuela, quem perdesse deveria sair (uma encenação, já que não é o tipo de regime que “perde” eleição), e foi desconvidado como observador eleitoral.

TEORIA DO DELITO

As fotos da mulher agredida acabam com qualquer resquício de simpatia ou banal desprezo que por ele se pudesse ter. O escândalo dos seguros é muito maior e mais sistêmico do que o caso de violência doméstica em termos de prejuízo para o país, mas as imagens de Fabiola têm uma força que os indícios de corrupção, uma praga tão tristemente comum, não conseguem emular.

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Alberto, o Espancador. Que arrasador fim de carreira para um sujeito que parecia apenas patético. Sem contar que pode ir para a cadeia. Já está armando a defesa: o olho roxo da ex-mulher seria resultado de um “tratamento estético contra rugas” e era ela a agressora. Ele, pobre coitado, apenas a segurou pelos braços – daí o hematoma.

O juiz atualmente encarregado do caso, Julián Ercolini, foi acusado por Fernández quando presidente, em rede nacional de televisão, por integrar um grupo de juízes e empresários do grupo Clarín que passaram um fim de semana na casa na Patagônia de um empresário inglês.

A sucessão de ironias não acaba e outras estão para vir à tona.

Mais uma, para terminar: ele dava aula de Teoria do Delito, mas nenhum aluno havia se interessado pelo professor ex-presidente. Imaginem agora.

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