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De que adianta a segurança chegar “apenas três segundos depois”? Nada

Grande falha do Serviço Secreto foi deixar livre para o atirador o galpão onde ele subiu, com vários minutos de tempo para disparar contra Trump

Por Vilma Gryzinski 15 jul 2024, 06h43

Em três segundos, Donald Trump estaria morto, com a cabeça estourada pela bala de fuzil AR-15 que só não acertou porque, num movimento natural, ele estava se mexendo no palanque montado no local de uma feira agrícola em Butler, estado da Pensilvânia.

“Eu não deveria estar aqui, deveria estar morto”, disse o próprio Trump na primeira entrevista a um jornalista depois do atentado, Michael Goodwin, do New York Post. “Os médicos disseram que foi um milagre”.

Os agentes do Serviço Secreto, cuja única função é proteger presidentes ou ex e familiares, erraram feio, de uma forma apenas comparável aos israelenses que viram diante de seus olhos o primeiro-ministro Yttzhak Rabin ser assassinado, em 4 de novembro de 1995 – um crime político que continua a reverberar até hoje, com muitos partidários da história contrafactual acreditando que Rabin teria tido condições de levar adiante um acordo, duro mas justo, para a criação de um estado palestino.

Rabin também foi morto por um “lobo solitário”, Yigal Amir, que furou toda a legendária segurança israelense, provavelmente ajudado pelo fato de que era judeu e despertava menos suspeitas. Contexto: Amir, que continua a cumprir prisão perpétua, casou-se na cadeia e teve dois filhos por inseminação artificial, achava Rabin um traidor por cogitar devolver territórios palestinos ocupados. Essa tendência extremista está hoje representada pelos partidos ultrassionistas que integram, minoritariamente, o governo israelense.

Não é função da segurança de chefes de governo ou de estado perguntar, na hora da ação, a simpatia política desse ou daquele membro do público: cada um dos círculos sucessivos que cercam o protegido tem que funcionar como um anel de ferro. O primeiro círculo era formado pelos “homens de preto” – e mulheres também – que cercaram Trump no palanque.

BONÉ VERMELHO

Sem que ainda tenham sido feitas as investigações devidas, como aconteceu com as comissões que vasculharam o atentado letal contra Rabin em Israel, é possível afirmar: nem uma segurança altamente incompetente teria deixado “descoberto” o galpão a menos de 150 metros do palanque em cuja cobertura Thomas Matthew Crooks se arrastou até chegar na posição ideal para disparar, às 18,13 horas, os oito tiros que deveriam ter matado Trump, aparentemente com um fuzil roubado do pai. Contando a bala que pegou de raspão a orelha de Trump, ele acertou três disparos, sinal de uma boa pontaria, treinada em clube de tiro.

Pessoas do público gritaram durante dois ou três minutos para mostrar a policiais a atitude suspeita do homem de cabelos compridos no telhado do local onde funciona uma instalação de pesquisas sobre vidros, adjacente à feira agrícola. A polícia local seria a encarregada da segurança no galpão, mas sob supervisão do Serviço Secreto.

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Quando cercaram Trump, depois do tiro que atingiu sua orelha direita, os seguranças também apresentaram algumas falhas, dando tempo para ele pedir que encontrassem seus sapatos – que voaram dos pés quando os agentes pularam sobre ele – e erguer o punho fechado, dizendo ao público “Lutem! Lutem!”. Aparentemente, mantiveram Trump no chão, coberto por seus corpos como um escudo humano, até ouvir que o atirador estava neutralizado – “Um tiro bem no meio dos olhos”, descreveu o ex-presidente – e o veículo para a saída tinha encostado. Naquele momento, não poderiam ter certeza de que não havia mais atiradores. Trump ficou com um hematoma no braço devido à pressão dos seguranças.

“USA, USA”, respondeu uma parte da plateia ao punho erguido de Trump, reagindo sem pânico nem correria, mesmo diante dos dois homens fardados e pesadamente armados que subiram no palanque vasculhando o público – eram os “contra-snipers”, encarregados de localizar atiradores.

Uma guarda-costas se abaixou para pegar o boné vermelho com o slogan “Make America Great Again”, algo um tanto surreal naquele cenário. Perto do SUV onde seria levado do local, mais uma segurança atrapalhada: teve dificuldade para sacar a Glock do coldre na cintura.

VITÓRIA POR LAVADA

A calma do público talvez seja porque muita gente ainda estivesse absorvendo o que havia acabado de testemunhar, inclusive com um morto nas arquibancadas, o bombeiro voluntário Corey Comperatore, e dois feridos. Alguns se deram as mãos e rezaram.

“Não gosta do cara? Não vote nele. Nós o amamos e vamos votar nele”, disse depois para a Sky News uma mulher que estava no comício de Butler, com o uniforme MAGA e uma expressão revoltada.

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A situação é tão sem precedentes nos Estados Unidos, com um presidente senil e um ex retirado ensanguentado do palanque onde sofreu o primeiro atentado do tipo desde o tiro que quase matou Ronald Reagan em 1981, que é arriscadíssimo fazer previsões eleitorais no momento.

Mas, o choque do atentado, a simpatia natural por alguém que escapa por pouco – eliminando-se aqueles quer, desprezivelmente, lamentaram o erro de mira de Crooks, da mesma forma como aconteceu com o atentado a faca contra Jair Bolsonaro – e o desmoronamento de Joe Biden apontam no momento, repetindo, no momento, para uma grande vitória de Trump em novembro.

“Provavelmente será uma vitória por lavada. Isso reduz a incerteza”, disse à Reuters um diretor de investimentos, Nick Ferres, refletindo as expectativas do mercado de uma política econômica positiva com Trump.

CONVENÇÃO EMOCIONAL

A pesquisas pós-atentado estão para sair e vai começar imediatamente o processo de investigação, na Câmara dos Deputados, onde os republicanos são maioria, de como exatamente funcionaram os mecanismos de segurança através dos quais se esgueirou Thomas Matthew Crooks.

A similaridade com o assassinato de John Kennedy, com Lee Harvey Oswald usando um fuzil no prédio de um depósito de livros, não passa despercebida.

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A diretora do Serviço Secreto, Kimberly Cheatle, já está convocada e para logo, no próximo dia 22. O órgão emprega nada menos do que 6 500 pessoas.

O Partido Republicano faz, a partir de hoje, a mais emocional das convenções para consagrar Trump candidato, uma assembleia como jamais se viu antes, sob o estonteante impacto do atentado.

Se Trump, por causa dos processos criminais, já se comparou a Gandhi, Nelson Mandela e Jesus Cristo, imaginem agora. O correto seria um apelo coletivo em favor da pacificação dos espíritos, mas tudo que não se pode esperar é isso, apesar das palavras conciliadoras que tuitou ontem para seus simpatizantes: “É mais importante do que nunca que fiquemos unidos. Permaneçamos fortes e determinados, e não permitamos que o Mal vença”.

CHOQUE DE NARRATIVAS

A convenção tira o espaço, completamente negativo, que Joe Biden vinha ocupando até agora e recoloca, de modo arrasador, Trump no lugar que sempre gosta de ocupar: o centro das atenções.

Agora, como um César que escapou aos golpes do inimigo. Nesse clima, a curiosidade sobre indicação de seu candidato a vice-presidente fica num muito distante segundo lugar.

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A esquerda, obviamente, já está instrumentalizando o momento e anunciando, de novo, a “morte da democracia” diante da perspectiva de vitória arrasadora de Trump. É um golpe baixo nas atuais circunstâncias de susto nacional mas assim funciona a lógica política.

O choque de narrativas será tectônico. Sem falar nas teorias conspiratórias.

A mais frequente delas, como no caso da facada, é que foi tudo armação.

Um Trump triunfante, erguendo o punho com o rosto estriado de sangue e a bandeira americana ao fundo, realmente é de acabar com as esperanças da oposição.

“Todo mundo diz que é uma foto icônica”, concordou Trump. “Mas geralmente, para uma foto ser icônica, você tem que estar morto”.

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