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Batalha perdida: velha guarda da esquerda defende livre debate

Nomões como Noam Chomsky, Salman Rushdie e JK Rowling acusam o “clima de intolerância” e avesso à liberdade de expressão, mas estão na faixa etária errada

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 9 jul 2020, 11h41 - Publicado em 9 jul 2020, 08h26

A mais nova da carta aberta – e a mais rica também – é a criadora de “Harry Potter”, Joanne Rowling, que assina a obra com as iniciais JK.

Aos 54 anos, ela é também uma das razões mais evidentes de um recente manifesto assinado por escritores, acadêmicos e artistas.

Noam Chomsky (91 anos), Salman Rushdie (73), Margaret Atwood (80), Gloria Steinem (86) e Martin Amis (70) são intelectuais das gerações acostumadas a defender até a morte o direito de alguém dizer besteiras.

Por besteira todo mundo entende que é alguma coisa extremamente oposta às convicções de cada um.

Salman Rushdie pagou caro por um tipo de liberdade que só existe na cultura ocidental, escondendo-se durante anos para sobreviver à sentença de morte lavrada pelo aiatolá Khomeini por “blasfêmia” contra o profeta Maomé.

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Na cultura de intolerância e do “você está cancelado” que viceja no mundo universitário e pós-universitário, em especial entre os anglo-saxões, Estados Unidos e Inglaterra, a regra é cassar a palavra dos adversários ideológicos, geralmente tachados de “fascistas”, uma designação que já enfraqueceu e está sendo substituída pelo puro e simples “nazista”.

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 Sem falar no “racista”, a moda do momento, somada ou alternada com “discurso de ódio”.

“A livre troca de informações e ideias, a alma das sociedades liberais, está diariamente se tornando mais restrita”, dizem os autores da Carta sobre a Justiça e o Debate Aberto.

Num movimento contínuo ao longo da última década, a esquerda deixou de estar na linha de frente da defesa da liberdade de expressão

Ironicamente, passou a tocha para a direita, transformada em minoria perseguida e calada pela força de protestos e boicotes docemente absorvidos pela elite acadêmica.

Com a cumplicidade amedrontada dos líderes que deveriam honrar seus postos, “editores são demitidos por publicar artigos controversos, livros são cancelados por suposta inautenticidade, jornalistas são proibidos de escrever sobre determinados assuntos, professores são investigados por citar obras da literatura em classe, um pesquisador é demitido por circular um estudo acadêmico com revisão de pares”.

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É tudo verdade e aconteceu em episódios recentes, dos quais o mais estarrecedor talvez seja a demissão do editor de colunas de opinião do New York Times, James Bennet.

Como exigia seu cargo, Bennet publicou uma coluna escrita pelo senador republicano Tom Cotton defendendo o uso da Guarda Nacional e outras forças militares para controlar os protestos violentos, com vandalismo, saques e incêndios, da atual safra de manifestações.

Não é preciso nem ler o New York Times para saber que o jornal defende exatamente o oposto. As colunas de opinião existem justamente para abrigar pontos de vista controversos ou contrários à linha editorial.

Um conceito do passado, tristemente engavetado por um jornal com o histórico e a importância do Times.

JK Rowling sabia que estava entrando em campo minado quando ironizou a expressão “pessoas que menstruam” para se referir a mulheres, um artifício criado para não ofender o radicalizado movimento dos transexuais. 

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Ela também ousou contestar a abertura de abrigos para esposas ou companheiras agredidas para “pessoas que não menstruam”, mas se declaram mulheres.

E ainda: denunciou o uso de hormônios para alterar os efeitos do sexo biológico em adolescentes que podem carregar efeitos vitalícios por uma decisão vital tomada numa faixa etária ainda inconstante.

O uso de hormônios masculinizantes é um fenômeno social impressionante na Grã-Bretanha, onde dois terços dos jovens que declaram pertencer ao sexo oposto e têm acesso a métodos médicos são meninas.

Por tantas “ousadias”, amparadas em seu histórico pessoal de mulher agredida pelo primeiro marido e grande patrocinadora de causas esquerdistas, Joanne Rowling foi linchada virtualmente, inclusive pelos atores da série de Harry Potter.

Sem falar nas ameaças de morte e de estupro, uma constante em casos que envolvem mulheres.

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“A ameaça à liberdade de expressão é a maior crise cultural de nosso tempo”, escreveu, a respeito da carta, o jornalista Ben Lawrence no Telegraph.

A ideologia identitária é o berço onde são chocados os ovos da serpente. Em nome da justiça social, promove ativamente a censura, a vitimização e a culpabilização em massa dos que estão fora da categoria de vítimas.

Lawrence mencionou o exemplo da peça Fairview, em Londres, com atores negros que desciam do palco e procuravam espectadores brancos para acompanhá-los na ribalta, submetendo-se ao escrutínio da plateia reduzida a minorias étnicas ou raciais.

E isso aconteceu no ano passado, antes da onda de insanidades cometidas por manifestantes em nome do antirracismo, usando pressões para convencer pessoas a se ajoelhar ou “confessar” sua cumplicidade com o “sistema”.

Um estudo do ano passado feito na Inglaterra, entre estudantes universitários, indicou que 44% apoiavam decisões absurdas como proibir uma palestra da feminista Germaine Greer (pela mesma questão que afetou JK Rowling), em Cardiff, e boicotar a cátedra oferecida ao iconoclasta psicólogo Jordan Petersen em Cambridge.

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Discordavam: 35% no primeiro caso, 33% no segundo.

A velha guarda dos intelectuais de esquerda que assinou a carta aberta, num total de 150 nomes, demorou muito para despertar para a realidade óbvia: em nome do combate ao sexismo, racismo e homofobia, foi cimentada uma prática intolerante, ignorante e autoritária que destrói reputações e estátuas.

Foi cuidadosa também. Além das inevitáveis lambadas em Donald Trump, o escritor que tomou a iniciativa da carta aberta, Thomas Chatterton Williams, condicionou: “Não queríamos que parecesse uma resposta aos protestos contra os notórios abusos praticados pela polícia”.

Williams falou para uma reportagem do New York Times que deu várias voltas até dizer que ele é negro.

Portanto, um perigo. 

Quem sai do comportamento padrão esperado de qualquer uma das categorias vitimizadas transforma-se em inimigo a ser destruído pelos que alegavam defendê-lo.

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