A nova princesa de Gales e trégua na guerra sem fim entre os dois irmãos
As cerimônias fúnebres para a rainha estão longe de acabar, mas é o complicado relacionamento dos que ficaram que passa a ocupar o centro das atenções
Será que eles vão se reconciliar? A expressão fechada de William, Kate, Harry e Meghan quando reapareceram juntos para agradecer as multidões nos portões de Windsor não foi muito animadora. Nem um simples olhar eles trocara, mas já é um avanço – talvez o primeiro milagre póstumo de Elizabeth II.
Os rearranjos pós-morte ainda estão se desdobrando. A fila da sucessão andou, Charles virou rei. Camilla é a rainha consorte e o herdeiro e sua mulher se tornaram os príncipes de Gales, com direito a usar o elaborado brasão do título nobiliárquico mais alto da hierarquia, enfeitado com três plumas de avestruz.
Todo mundo sabia que ia acontecer, mas quando aconteceu não deixou de ser um choque: o Reino Unido tem uma nova princesa de Gales, podendo ser chamada, resumidamente, de princesa Kate – ou Catherine, como ela e o marido prefeririam, mas poucos aquiescem.
O título ficou profundamente associado a Diana. Depois de se divorciar de Charles, ela perdeu o direito a ser tratada como Sua Alteza Real, mas conservou o “princesa de Gales” como uma concessão especial à mãe de um futuro rei, William.
O título é acoplado ao do marido, agora príncipe de Gales, como acontece com os herdeiros do trono inglês desde o século XIV. O anúncio feito pelo novo rei Charles III, sem revelar quando será a cerimônia oficial de investidura, depois de sua própria coroação.
Todo mundo viu na série The Crown como a família real valoriza o título, usado como uma forma de fortalecer a união com Gales, território conquistado na ponta da espada há sete séculos. Mesmo que não seja tão forte como na Escócia e na parte católica da Irlanda do Norte, existe um renascimento da identidade galesa e até da língua, o intrigante gaélico – o Charles fictício da série The Crown tem aulas com um professor nacionalista antes de se tornar príncipe de Gales, ou Tywysok Cymru. Os mais exaltados estão aderindo a um abaixo-assinado para simplesmente extinguir o título.
Como príncipe e princesa de Gales, William, que se tornou o herdeiro aparente do trono, e Kate sobem um degrau na hierarquia e deixam de usar o título presenteado pela rainha quando se casaram, o de duque e duquesa de Cambridge. Este passa para seus filhos.
Harry também subiu, passando de sexto para quinto na linha de sucessão. Como o avô de seus filhos agora é rei, eles passam a ter o direito de ser chamados de príncipe Archie e princesa Lilibeth – isso se os pais quiserem. Harry e Meghan continuam a ser duque e duquesa de Sussex, um degrau abaixo dos príncipes de Gales.
A dança dos títulos deveria ter importância apenas formal, pois todos os envolvidos já sabem muito bem qual é o seu lugar na mesa – ou em qualquer outro lugar em que a ordem de precedência seja seguida.
Mas é impossível não notar que a “promoção” de William e Kate acrescenta um atrito a mais na relação entre os irmãos e as cunhadas.
O desfile dos quatro quebrou uma barreira que parecia absurda: os dois casais estão a 400 metros de distância, mas pareciam continuar separados por um oceano.
William e Kate acabaram de se mudar para um casarão, sem nada de luxo ostensivo, que fica na enorme propriedade abarcada pelo castelo de Windsor. Foi uma mudança que já levava em conta a morte de Elizabeth II e a proteção redobrada que os dois herdeiros, William e o filho George, demandam.
Harry e Meghan, por acaso, também estavam de passagem pela casa que têm na mesma propriedade e na qual mal chegaram a morar, antes de largar tudo e ir para os Estados Unidos.
As declarações dos dois em programas de televisão e podcasts foram recebidas como mais do que injustas, mentirosas. Harry detonou o pai, o qual disse tê-lo cortado “financeiramente”, e Meghan insistiu que foi Kate quem a fez chorar por causa de uma discussão tola sobre os trajes de Charlotte, a filha do meio dos novos príncipes de Gales, quando foi daminha do casamento do casal Sussex. As repetidas insinuações de racismo azedam ainda mais o pacote.
Tudo soa extraordinariamente infantil, mas criou uma barreira profunda de animosidade. Harry e Meghan obviamente estarão em outras cerimônias fúnebres de Elizabeth. Foi levando isso em consideração que William convidou o irmão e a cunhada para o pequeno desfile de agradecimento à multidão em frente de Windsor. Foi uma atitude sensata, além de elegante, engolir a bronca e abrir espaço ao irmão afastado.
Eventualmente, também chegará a hora da coroação Charles. A ausência de um dos dois filhos do rei seria acintosa. Problema: até lá, Harry já deverá ter publicado a autobiografia que só tem valor de mercado se alimentar a fogueira de dissensões. Alguma especulações apontam para um retrato nada simpático de Camilla, a nova rainha consorte.
Falar mal da madrasta é uma coisa, criar intrigas sobre uma rainha é outra. Mesmo que não tenha nenhuma das qualidades que a equipe de relações públicas de Charles atribui a Camilla, ela é realista: nunca sequer pensou em assumir o título de princesa de Gales, a que teria direito enquanto Charles foi o herdeiro. Não queria atiçar as legiões de fãs que continuam a cultuar Diana.
Também nunca usou joias da coroa associadas a Diana, como a tiara de pérolas e diamantes entrelaçados, chamada de tiara dos nós do amor, que Kate já portou em algumas ocasiões de altíssima cerimônia.
Pelos indícios, ela será uma princesa de Gales sorridente e, quem sabe, até feliz. O peso do casamento fracassado muitas vezes parecia pairar como uma nuvem sombria sobre Diana, aumentando sua instabilidade emocional.
O título algumas vezes teve mesmo uma aura pesada. Caroline de Brunswick, trazida do principado alemão para se casar com o futuro George IV, foi repudiada, investigada e acusada de adultério pelo marido e primo. A relação era tão ruim que tiveram uma única filha, Charlote, que morreu de parto aos 21 anos, criando uma encrenca sucessória. Nem na coroação dele, em julho de 1821, Caroline pode entrar. Morreu três semanas depois.
Com o imponente nome de Augusta de Saxe-Gotha, a aristocrata alemã foi outra princesa de Gales que nunca se tornou rainha: o marido morreu antes do pai, George II.
Uma princesa de Gales sem dramas pode ser uma novidade – e mais ainda se conseguir o milagre de incentivar a reaproximação dos irmãos. A memória da rainha bem que merecia isso.