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A batalha da troca de chip

Confronto entre Estados Unidos e China acelera desglobalização

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 4 jun 2024, 10h49 - Publicado em 5 fev 2023, 08h00

Você sabe o que é nitreto de gálio? Enquanto discutimos políticas econômicas da era do silício lascado, Estados Unidos e China enfileiram as armas para a guerra dos semicondutores — o nitreto de gálio potencializa o desempenho dos minúsculos chips sem os quais o mundo para. Como se tivesse despertado de um torpor de anos, os americanos não estão mais dispostos a deixar a China imitar, copiar, sugar e fabricar o dispositivo que tem 95% de seu desenvolvimento feito nos EUA. E também estão alegremente enterrando alguns princípios consagrados durante a era da globalização. Precisam de subsídios para atrair o gigante taiwanês dos chips para fabricar produtos avançados? Tomem 50 bilhões de dólares para uma fábrica no Arizona. Precisa de uma justificativa para a intervenção governamental? Ouçam as palavras do secretário de Estado, Antony Blinken: “O mundo pós-Guerra Fria chegou ao fim e está em andamento uma intensa competição para definir o que virá a seguir. E no cerne dessa competição está a tecnologia. A tecnologia reestruturará as economias de várias maneiras. Vai reformar nossas Forças Armadas. Vai reformatar a vida das pessoas. E, portanto, é uma fonte profunda de fortaleza nacional”.

“O nitreto de gálio, sintetizado quimicamente, está deixando a era do silício para trás”

Precisa explicar por que as exportações de semicondutores usados nos algoritmos da inteligência artificial (IA) estão proibidas para a China? Pois leiam o documento de 139 páginas do governo americano expondo muito bem os motivos para controlar um produto que vai estabelecer quem ganha a guerra tecnológica e dominar o mundo.

Quem só pensa em chip na hora de trocar o celular pode anotar alguns números: incluindo-se todos os desdobramentos, os semicondutores estão relacionados a 12% do PIB americano. Só em carros, foram 7,7 milhões de unidades a menos em 2021, quando as complexas sequelas da pandemia causaram escassez de produto. Em escala menor, o governo britânico — conservador, registre-se — também vai subsidiar a indústria de semicondutores avançados. Jornalistas em geral são simplificadores profissionais, por exigência do ofício de comunicar ideias rapidamente, e a frase “a globalização acabou” tem sido abusada. Mas é impossível não ver o escopo das recentes intervenções do governo americano de teor protecionista. “Quelle horreur”, reclamaram os franceses, ironicamente, os reis do protecionismo e responsáveis por uma recente bolsa-padeiro que garanta a baguete e o croissant ameaçados por aumentos na conta de luz. A revolta europeia foi causada pelo subsídio de 7 500 dólares aos consumidores americanos que comprarem carros elétricos fabricados nos EUA. O neoprotecionismo não pretende garantir indústrias defasadas e não competitivas como tivemos tantos exemplos bem perto de nós, mas insuflar setores estratégicos de ponta. As economias mundiais continuam interconectadas e ninguém dispensa a China, com sua incomparável capacidade de produção. Simplificando: a globalização está entrando numa nova era, o governo Biden despertou para o ponto-chave da concorrência tecnológica e a corrida que mudará o mundo é a da IA. Sem esquecer o nitreto de gálio, um produto sintetizado quimicamente que está deixando a era do silício para trás.

Publicado em VEJA de 8 de fevereiro de 2023, edição nº 2827

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