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Um Poirot digno de Agatha Christie

A escritora britânica Sophie Hannah (Foto: Ben Pruchnie/Getty Images) Meire Kusumoto Continua após a publicidade Aqueles que estavam com saudades dos crimes cabeludos, das expressões em francês e da sagacidade sem precedentes do detetive belga Hercule Poirot têm alguns motivos para comemorar. Quase quarenta anos após sua última aparição, em 1975, o investigador retorna no […]

Por Meire Kusumoto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 31 jul 2020, 02h21 - Publicado em 10 jan 2015, 15h04
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A escritora britânica Sophie Hannah (Foto: Ben Pruchnie/Getty Images)

Meire Kusumoto

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Aqueles que estavam com saudades dos crimes cabeludos, das expressões em francês e da sagacidade sem precedentes do detetive belga Hercule Poirot têm alguns motivos para comemorar. Quase quarenta anos após sua última aparição, em 1975, o investigador retorna no romance Os Crimes do Monograma (tradução de Alyne Azuma, Nova Fronteira, 288 páginas, 29,90 reais), lançado mundialmente em setembro. O livro, assinado pela escritora britânica Sophie Hannah, propõe uma resolução mirabolante demais, com reviravoltas por vezes desnecessárias, mas retrata com fidelidade um dos personagens mais queridos de Agatha.

Sophie, ela mesma uma fã assumida da britânica nascida em 1890 e morta em 1976, é a primeira — e até agora a única — a obter a autorização dos herdeiros da escritora para dar nova vida a Poirot, morto no romance Cai o Pano. Exatamente por esse motivo, o resgate do personagem causou dúvidas naqueles que conheciam a história do detetive belga. Como a escritora faria para trazê-lo de volta? Essa foi uma pergunta que não parece ter tomado muito tempo de Sophie. Em Os Crimes do Monograma, a autora de uma dezena de livros policiais escolheu uma solução bastante simples: não mencionar datas ou acontecimentos prévios, dando a entender que o caso mostrado no romance havia se passado em um momento qualquer da carreira de Poirot.

Como em outros livros protagonizados pelo belga, o crime a ser solucionado praticamente bate à sua porta. Em um café em uma noite fria de Londres, o detetive se surpreende com a chegada de uma moça, Jennie, que, perturbada, conta a Poirot que corre perigo. Ele afirma que tem um amigo na Scotland Yard, a polícia londrina, que poderia tentar ajudá-la, mas ela nega a oferta.

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– Estou entendendo direito? A senhorita está sugerindo que quem a está perseguindo pretende assassiná-la?

Jennie fixou seus olhos azuis lacrimejantes nele.

– É assassinato se você desiste e deixa acontecer? Estou tão cansada de fugir, de me esconder, de sentir tanto medo. Quero que acabe logo, se vai acontecer, e vai, porque precisa acontecer.  É a única maneira de acertar as coisas. É o que eu mereço.

– Não pode ser – disse Poirot. – Sem saber os detalhes do seu problema, discordo da senhorita. Um assassinato nunca pode estar certo. Meu amigo, o policial… A senhorita precisa deixar que ele a ajude.

– Não! O senhor não pode contar palavra alguma disso a ele, nem a ninguém. Prometa que não vai contar.

Poirot não promete e logo conta tudo a seu amigo, Edward Catchpool, narrador da história e espécie de muleta para as explicações do investigador, tipo comum em romances policiais, como acontece a Watson nas aventuras de Sherlock Holmes. Catchpool, por sua vez, também tinha algo a contar para Poirot: deveria solucionar o assassinato de três pessoas, em um luxuoso hotel de Londres, em quartos diferentes. Nas bocas dos mortos, haviam sido encontradas abotoaduras com o monograma PIJ.

Os Crimes_do_monograma frenteAo ouvir o relato, Poirot sugere que esse caso está relacionado ao que Jennie confessou a ele por causa de uma tecnicidade. Ao falar sobre o risco que corria, a moça havia pedido: “Se eu for encontrada morta, o senhor vai pedir ao seu amigo policial que não procure meu assassino. Ah, por favor, não deixe ninguém abrir as bocas!”. O belga deduz que “as bocas” é uma referência às bocas dos mortos encontrados no hotel.

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É a partir de deduções como essas que Poirot vai montando o quebra-cabeça que envolve os dois acontecimentos. São detalhes pequenos – até demais –, que não se costumam ver nos outros romances protagonizados por Poirot, escritos por Agatha Christie. Nos capítulos finais de Os Crimes do Monograma, uma série de reviravoltas para lá de cabeludas se instaura até a resolução dos assassinatos. O inesperado é sempre bem-vindo em romances detetivescos, mas a quantidade de “plot twists” no livro surpreenderia até mesmo a própria Agatha. Falta a simplicidade daquela de quem Sophie se diz fã.

Aqueles que se juntam à britânica no coro de adoração a Agatha, no entanto, não devem se incomodar tanto com a profusão de detalhes do romance. É graças ao olhar atento de Sophie para as miudezas, aliás, que ela conseguiu resgatar, com sucesso, um personagem tão cheio de particularidades. Em Os Crimes do Monograma, Poirot está vivo da forma como os leitores o conheceram nos 33 livros em que apareceu, com as referências a si mesmo em terceira pessoa, a alusão às “células cinzentas”, as tiradas sarcásticas e condescendentes com seu pobre interlocutor que não consegue acompanhar suas conclusões sagazes. É um deleite vê-lo novamente em ação, mesmo que seu trabalho pareça mais desnecessariamente meticuloso do que nunca.

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