Entenda por que Bueno é pop
A forma como o jornalista Eduardo Bueno tratou alguns dos personagens e passagens mais importantes da história do Brasil, dando a eles cheiro e cor, é a principal chave do seu sucesso. O que enriquece os textos de Bueno é uma espécie de gordura trans da história: detalhes menores que são ignorados por historiadores sérios (como […]
A forma como o jornalista Eduardo Bueno tratou alguns dos personagens e passagens mais importantes da história do Brasil, dando a eles cheiro e cor, é a principal chave do seu sucesso. O que enriquece os textos de Bueno é uma espécie de gordura trans da história: detalhes menores que são ignorados por historiadores sérios (como os socos dados por D. Pedro I nos queixos das crianças que iam beijar a sua mão), mas que são capazes de dar sabor.
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Trecho de ‘O Brasil de Lula e do PT’, de ‘Brasil: uma História’.
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BANDEIRAS E ENTRADAS
Uma narrativa ágil e envolvente
“Eles eram os piratas do sertão. Perambulavam pelos atalhos, pelos planaltos e pelas planícies armados até os dentes, com seus sons de guerra e suas bandeiras desfraldadas. Eram grupo paramilitares rasgando a mata e caçando homens – para além da lei e das fronteiras; para aquém da ética. À sua passagem, restava apenas um rastro de aldeias e vilas devastadas; velhos, mulheres e crianças passadas a fio de espada; altares profanados, sangue, lágrimas e chamas. (…) Embora tenham sido heróis brasileiros, tornaram-se também os maiores criminosos de seu tempo”
Borba Gato
Bueno mostra que o bandeirante, homenageado (há quem duvide de que se trate de fato de uma homenagem) por uma horrenda estátua de ladrilhos em Santo Amaro, foi na verdade um criminoso. Como foram os bandeirantes em geral. Borba Gato arquitetou a morte do nobre de origem espanhola D. Rodrigo Castelo Branco, com quem não queria dividir os metais preciosos da região de rio das Velhas, sudeste de Minas Gerais. E depois, ao dividir o conhecimento que tinha sobre as minas com o então governador de São Paulo, o corrupto Arthur de Sá e Meneses, não apenas recebeu perdão – o assassinato de Castelo Branco caiu na conta de outrem –, como foi promovido a guarda-mor da região das minas.
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A CHEGADA DA FAMÍLIA REAL
1808
Ao chegar ao Rio de Janeiro, a família real foi recebida com festa pelos moradores. Mesmo assim, “não pôde deixar de notar que, além de despojada, a cidade do Rio exalava ‘os odores mais pútridos’”, escreve o jornalista. A população, por sua vez, “apesar de extasiada com a visão de tanto fausto, também não foi capaz de ignorar a feiura de D. João VI e D. Carlota, nem os gritos alucinados de D. Maria I e as cabeças raspadas pelas cortesãs (por causa da epidemia de piolhos ocorrida a bordo das naus que transportaram a nobreza). Em poucos anos, o Brasil e a realeza iriam se acostumar com os próprios defeitos – embora só a nação de fato se modificasse.”
Pouso no Rio
O bem humorado texto de Bueno prova que a piada sempre foi um dos pontos fortes do Brasil. “Para alojar milhares de nobres e cortesãos, cerca de 2.000 casas foram requisitadas. De início, muitos cariocas ficaram felizes em ceder seus lares, mas, ao perceber que a espoliação era feita sem rodeios e parecia ser permanente, revoltaram-se. Casas confiscadas eram marcadas com as letras P. R. (de ‘Príncipe Regente’). O povo logo passou a traduzi-las por ‘Ponha-se na rua’ ou ‘Propriedade roubada’.”
Carlota Joaquina
Personagem curiosa, foi exposta com todos os seus podres pelo autor. “Que horror. Antes Luanda, Moçambique ou Timor”, teria dito a princesa Carlota Joaquina ao chegar ao Rio. Ao sair, reza outra lenda, não teria proferido palavras melhores: “Nem dos calçados quero como lembrança a terra do maldito Brasil”, teria declarado, enquanto batia um sapato contra o outro, antes de embarcar na nau que a levaria de volta a Portugal, em 1821. Ambas as frases foram pinçadas e reproduzidas por Bueno, que lembra que, mais que morar no Brasil, Carlota Joaquina odiou ter de conviver com D. João VI, com quem era casada fazia 36 anos, mas não compartilhava moradia fazia 20. Segundo o jornalista, “realizada por uma questão de estado, a união foi vexatória desde o início: num dos primeiros encontros, a noiva mordeu selvagemente a orelha do noivo e jogou-lhe um castiçal no rosto.”
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D. PEDRO I
D. Pedro I, o único belo da família
“Meu Deus! Como é feio! Meu Deus! Como é feia a princesa! Meu Deus! Como são todos feios. Não há um só rosto gracioso entre eles, exceto o do príncipe herdeiro.” Foi essa a anotação feita pelo embaixador da França em Lisboa, Andoche Junot, ao retornar de uma audiência com o regente de Portugal D. João VI, em abril de 1805. Ele nem podia imaginar de que maneira o príncipe herdeiro, futuro D. Pedro I do Brasil, se valeria dessa diferença física que tinha em relação ao resto da família.
18 nomes e sobrenomes
Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pasqual Sipriano Serafim de Bragança e Bourbon. Era esse o nome todo de D. Pedro I, e Bueno faz questão de transcrevê-lo, na íntegra, em seu livro.
Um príncipe meio selvagem
De acordo com o jornalista, nem D. João VI nem D. Carlota se preocuparam com a educação do filho Pedro, mesmo após a morte de seu irmão mais velho, Antônio, acontecimento que o deixou na dianteira na linha sucessória do trono português. Criado solto em uma fazenda tomada dos jesuítas, a 80 quilômetros do Rio, o pequeno Pedro andava sozinho na mata, brigava de pau e soco com outras crianças e bolinava escravas. A rudeza dessa criação o acompanhou à vida adulta. Nas cerimônias oficiais, durante o beija-mão, tolerava o cumprimento de adultos, mas, se uma criancinha se aproximasse, ele a socava no queixo.
As amantes
“A partir dos 16 anos, D. Pedro adquiriu fama de amante insaciável. Os nobres português e ricos brasileiros escondiam as filhas quando o príncipe passava. A primeira da série de incontáveis amantes foi a bailarina francesa Noemi Thierry, com quem D. Pedro teve um filho (natimorto), antes que seus pais enviassem a moça de volta a Paris. Embora tenha tido – ou tentado ter – relações sexuais com praticamente qualquer mulher que visse pela frente, a grande paixão de D. Pedro foi Domitila de Castro, que ele fez marquesa de Santos e que lhe deu quatro filhos. (…) D. Pedro a levou para morar em frente do palácio. O caso tornou-se público. D. Leopoldina morreu em seguida – de desgosto, segundo o povo. Forçado a se casar de novo, D. Pedro dispensou a amante, em 1829. mas não sem escândalo: ao descobrir que o imperador tinha um caso com sua irmã, Maria Bendita, Domitila tentou matá-la.”
Maria Carolina Maia