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Djamila Ribeiro, sobre o feminismo negro: ‘Não é competição de opressão’

Ao lado da argentina Selva Almada, ela debateu na Flip a importância de um projeto que contemple a mulher negra, e como a literatura pode ajudar nisso

Por Luísa Costa Atualizado em 30 jul 2018, 15h37 - Publicado em 26 jul 2018, 21h18

A mesa mais aguardada desta quinta-feira na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), “Amada Vida”, debateu a literatura como resistência em tempos de violência. Participaram da mesa a filósofa paulista Djamila Ribeiro, que acaba de lançar o livro Quem Tem Medo do Feminismo Negro? (Companhia das Letras) e a escritora argentina Selva Almada, autora do livro Garotas Mortas (Todavia). A mediação foi feita pela poeta Alice Sant’Anna, e a abertura, pela slammer pernambucana Bell Puã – ovacionada pela plateia.

Não é competição de opressão. Quando você nomeia a mulher negra, consegue criar políticas públicas que funcionem para ela

Djamila Ribeiro

Djamila, que foi secretária adjunta de Direitos Humanos de São Paulo na gestão de Fernando Haddad, começou situando como é sua luta como feminista negra – e por que é importante nomeá-la assim. “Não é competição de opressão. Quando você nomeia a mulher negra, consegue criar políticas públicas que funcionem para ela”, disse ao citar o exemplo da Lei Maria da Penha e o estudo da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) apontando que, em 10 anos, o homicídio de mulheres brancas caiu 9,6% – mas o de mulheres negras aumentou 54%. Uma das causas é a dificuldade do acesso da população negra ao sistema judicial de forma igualitária. “Faltou o olhar étnico.”

Da mesma maneira, Selva Almada, branca, contou sua experiência ao escrever Garotas Mortas, que relata três casos de feminicídio em seu país nos anos 1980 que permanecem sem solução. Para Almada, é importante lembrar que elas morreram porque eram mulheres: “Esse eufemismo que é dizer ‘crime passional’ ao se referir a assassinato de mulheres, ou a ideia de que o homem amava a mulher tanto que era capaz de matá-la, deve acabar”.


 

Leitura que dá força

Problemática posta, Djamila Ribeiro sintetizou o drama da mulher negra, e da mulher, em tempos de violências físicas e opressões do machismo e racismo: “Ter sua humanidade aviltada constantemente faz as pessoas adoecerem psiquicamente”. Para a filósofa, a leitura de mulheres fortes que a precederam ajuda a manter sua sanidade nesse cenário. Com o público, dividiu seu poema favorito da poeta negra Maya Angelou.

Selva Almada, por sua vez, falou da possibilidade de ser a voz de mulheres que perderam a sua, em vida ou na morte. “Essas meninas foram assassinadas pelo assassino, depois pela justiça, depois por sua comunidade, que duvidavam de que era vítimas do crime”, ressaltou ao citar os casos que investigou para seu livro.

Marielle vive

Se o assunto é dar voz a quem não tem, a mediadora Sant’Anna da mesa deu o gancho: “Estamos há 133 dias sem saber quem matou Marielle Franco.”

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Djamila rememorou que a vereadora era uma mulher que ia para o front e era considerada agressiva, “como somos todas por não querer negociar nossa humanidade”, e confidenciou o medo que sente desde o crime brutal. Ainda assim, não se abate: “A gente não pode permitir que esse silenciamento histórico que aconteceu muitas vezes com mulheres negras aconteça com ela. Compartilhamos sua dor e seu legado de luta, também”.

Catarse

A organização da mesa movimentou a praça da Matriz em Paraty. A fila para entrar na tenda do telão com transmissão ao vivo era gigantesca, e o auditório fechado ao público pagante estava lotado. Na abertura, a slammer pernambucana Bell Puã conquistou a plateia com versos como “Freud explica, mas é Criolo e Emicida que escancaram a realidade”, exaltando os dois rappers brasileiros, e “Europa é o padrão e o Brasil há 500 anos sem sucesso”, após descrever a busca cega para ser uma sociedade igual à que nos colonizou. Foi aplaudida de pé ao finalizar com: “Era uma vez um país conservador que revolucionou com os poder das minas.” A plateia era jovem e a divisão de gênero era equilibrada.

O público estava reativo e batia palmas antes mesmo do fim das falas – como no momento em que a Djamila Ribeiro citou a Reforma Trabalhista como um dos exemplos de medidas que prejudicam a maioria da população. A cada menção de algo apresentado como opressor, os aplausos estouravam. A plateia estava ansiando por ouvir tudo que ouviu, e vibrava por isso, em momento catártico.

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O evento

A 16ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) acontece de 25 a 30 de julho em Paraty, litoral sul do Rio de Janeiro. Com curadoria de Joselia Aguiar, o evento conta neste ano com a participação de André Aciman, autor do livro Me Chame pelo Seu Nome (adaptado ao filme homônimo vencedor do Oscar 2018), o laureado pelo Prêmio Pulitzer Colson Whitehead e a ganhadora do Prêmio Goncourt Leïla Slimani. A escritora homenageada da edição é a polêmica poeta paulista Hilda Hilst.

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