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A psicóloga e pesquisadora Ilana Pinsky reflete sobre saúde mental e suas conexões com a nossa sociedade
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O impacto da sua personalidade no envelhecimento cognitivo

Assunto veio à tona após debate entre Biden e Trump nos EUA, e estudos sugerem que é possível moldar nossas características mentais para viver melhor

Por Ilana Pinsky
Atualizado em 27 ago 2024, 10h17 - Publicado em 8 jul 2024, 11h27

Rina perdeu o marido cedo e nunca mais se casou. No entanto, raramente estava só. Tinha vários grupos de amigas, incluindo um que chamava de “as viúvas”. Organizava almoços de domingo com a família toda em sua casa – e ninguém faltava, porque ela recebia muito bem. Visitava as irmãs para fazer as unhas e comer um bolo com café uma vez por semana. Antes mesmo de se aposentar do trabalho de professora primária, já se engajara em trabalho voluntário na Ofidas (atual União Brasileiro Israelita do Bem-Estar Social), onde assumiu várias funções.

Me lembro dela me contando da visita que fez ao grupo de idosos da associação, quando ela foi supervisionar as atividades realizadas com os “velhinhos”. Na época, ela já era mais velha do que quase todos eles.

Tinha temperamento tranquilo, era conciliadora, empática, organizada. Inusitada trajetória, considerando ser a caçula de uma família de quatro irmãos imigrada da Ucrânia, cujo pai havia morrido dois meses antes de seu nascimento.

Rina era minha avó e faleceu uma semana antes de completar 100 anos. Viveu uma vida plena na maior parte deles.

Pelos dados de 2022, os brasileiros têm uma expectativa de vida de cerca de 75 anos (79 para as mulheres e 72 para os homens). Embora esses números já tenham sido até melhores antes da pandemia de Covid-19, trata-se de um progresso incrível comparado com 1970, quando o brasileiro médio vivia apenas 60 anos.

O recente debate entre o presidente Joe Biden e Donald Trump acendeu uma acalorada discussão, não apenas sobre política, mas sobre os efeitos visíveis do envelhecimento cognitivo. Mas o que seria um envelhecimento saudável? E como proteger nosso cérebro, já que, com o aumento da expectativa de vida, a prevalência de demências tende a aumentar?

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Do ponto de vista biológico, o envelhecimento pode ser definido como a relação entre o dano acumulado no organismo e os mecanismos compensatórios para reparar esses danos. Velhice e envelhecimento são conceitos distintos, sendo que o segundo é um processo contínuo e não apenas uma fase da vida.

Demências são síndromes e a doença de Alzheimer é a principal causa. A genética do indivíduo desempenha um papel inegável em vários aspectos desse processo, como na probabilidade de desenvolver certas condições, incluindo algumas demências . Também inegável é a tendência de mudanças cognitivas ocorrerem com o passar das décadas.

A memória operacional, por exemplo, que é a capacidade de manter e manipular informações temporariamente (como lembrar um número de telefone enquanto se procura a caneta), tende a diminuir com a idade. A velocidade de processamento, que é a rapidez com que uma pessoa pode entender e reagir à informação, começa a declinar ja na terceira decada da vida, tornando tarefas que exigem respostas rápidas mais desafiadoras.

A memória episódica, responsável por recordar eventos específicos da vida – como o que você comeu no jantar de aniversário no ano passado-, pode se tornar menos precisa. A atenção seletiva, que é a capacidade de focar uma tarefa específica enquanto ignora distrações (como ler um livro em um ambiente barulhento), também pode ser prejudicada.

Por outro lado, a ciência que estuda os determinantes socioculturais do envelhecimento oferece motivos para otimismo. O declínio não é inevitável. E há pesquisas mostrando que certos aspectos da cognição podem até melhorar com a idade. O vocabulário e o conhecimento geral tendem a aumentar ao longo da vida devido ao acúmulo de experiências e aprendizado contínuo.

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Além disso, a capacidade de integrar informações complexas e resolver problemas baseados na experiência vivida, conhecida como inteligência cristalizada, também se aprimora com o tempo.

Conversei com a neuropsicóloga Sharon Sanz Simon, da Universidade Colúmbia, nos EUA, sobre como envelhecer de forma saudável. Sharon, que é brasileira, mas mora em Nova York há nove anos, vai ser, junto com Michal Schnaider Beeri, uma das pesquisadoras líderes do Herbert e Jacqueline Klein Alzheimer’s and Dementia Clinical Research and Treatment Center da Universidade Rutgers.

Seu interesse pelo envelhecimento surgiu ainda na juventude, influenciado pela conexão com seus avós maternos, dois sobreviventes do Holocausto que imigraram para o Brasil após a guerra. Eles, apesar dos traumas, mostraram uma resiliência impressionante, o que inspirou seu trabalho na área.

Desde adolescente, Sharon alentava a ideia de que é possível o ser humano se reinventar e encontrar novos caminhos mesmo diante de intensos desafios. Seu trabalho é voltado para o desenvolvimento de estratégias de intervenção culturalmente sensíveis para a prevenção do envelhecimento cognitivo e da demência na comunidade brasileira que vive nos EUA.

Além de uma vida ativa, que inclui exercícios, interação social, alimentação saudável e uma boa higiene do sono, o envelhecimento saudável também depende da compreensão de que nossa personalidade desempenha um papel crucial na manutenção da cognição.

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Contrariando a visão tradicional de que a personalidade se estabiliza na juventude (a chamada “hipótese do gesso”), pesquisas mais recentes indicam que os traços de personalidade podem evoluir gradualmente ao longo do tempo, influenciados por experiências de vida e fatores ambientais. Isso sugere que, à medida que envelhecemos, ainda temos a capacidade de mudar e nos adaptar, promovendo uma melhor saúde cognitiva ao longo da vida.

Dentro dessa perspectiva, o conceito de reserva cognitiva, introduzido pelo neurocientista Yaakov Stern, chefe do laboratório onde Sharon trabalha, é uma das ideias mais fascinantes na neurociência do envelhecimento. Ele se refere à capacidade do cérebro de compensar danos causados por lesões ou doenças neurodegenerativas, como a demência, utilizando redes neuronais alternativas ou processos cognitivos mais eficientes.

Indivíduos com maior reserva cognitiva, frequentemente adquirida através de educação, atividades intelectualmente estimulantes e vida social ativa, tendem a manifestar sintomas de demência mais tarde, mesmo que apresentem as mesmas alterações cerebrais patológicas que outras pessoas sem esses hábitos.

Essa capacidade de adaptação do próprio organismo é fundamental para o envelhecimento saudável, pois promove a manutenção da funcionalidade cognitiva e da qualidade de vida na maturidade, dando uma nova abordagem à prevenção e ao tratamento das doenças neurodegenerativas.

Entre as características de personalidade relacionadas com reserva cognitiva está a abertura para novas experiências – o que, em inglês, chamamos de openness. É frequente, como na música do Chico Buarque, “fazermos tudo sempre igual” na medida em que ficamos mais velhos.

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A flexibilidade cognitiva promovida pela abertura a novos desafios permite que as pessoas abordem problemas de múltiplas perspectivas e se adaptem às demandas cognitivas em evolução ao longo do tempo.

Vale experimentar executar de forma diferente coisas que já fazemos, conversar sobre assuntos complexos, se interessar por novas culturas e maneiras de pensar. Está fazendo as coisas muito no automático? Mantenha a curiosidade intelectual (com bate-papos estimulantes, visitas a locais culturais, leitura, aulas…), criatividade (cozinhar, escrever, pintar, bordar…), e se esforce para experimentar coisas novas (conhecer pessoas, cantar, dançar, ser voluntário…).

Outros traços de personalidade podem também retardar significativamente o envelhecimento cognitivo. Neuroticismo é descrito como a propensão a emoções negativas, como ansiedade e depressão. Estudos constataram que indivíduos com níveis mais baixos de neuroticismo tendem a exibir maior resiliência cognitiva diante do envelhecimento e das doenças neurodegenerativas.

Isso sugere que a estabilidade emocional e a capacidade de gerenciar a vida de forma eficaz podem contribuir para a manutenção da função cognitiva e da resiliência na idade avançada, protegendo a mente contra os desafios do envelhecimento. Os mecanismos pelos quais isso ocorre podem incluir uma menor exposição aos níveis elevados do hormônio cortisol, que são associados a danos ao hipocampo, uma área crucial para a memória e a aprendizagem.

Além disso, a gestão do estresse resulta em menor inflamação sistêmica, que pode contribuir para a prevenção da degeneração neural. Outro fator importante é a questão da atenção: se a vida emocional estiver mais atribulada e a irritabilidade aumentada, haverá menos foco e mais distração, prejudicando a cognição e a memória em geral.

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Pensar no envelhecimento como um processo contínuo, em vez de um estado final, pode transformar nossa abordagem à vida. Essa perspectiva deve ser adotada desde cedo. Genética tem um impacto importante, mas nossa personalidade pode ser uma poderosa aliada contra o declínio cognitivo.

É fundamental cuidarmos da vida emocional, aprendendo a lidar com as frustrações e desafios do cotidiano, para preservar nossa saúde cerebral. Envolver-se em novas atividades, manter hábitos saudáveis, desenvolver e manter relacionamentos sociais e buscar aprendizados contínuos são estratégias que ajudam a construir uma reserva cognitiva robusta, promovendo um envelhecimento ativo e saudável.

* Ilana Pinsky é psicóloga clínica e pesquisadora da Fiocruz. É autora de Saúde Emocional: Como Não Pirar em Tempos Instáveis (Contexto), foi consultora da OMS e professora da Universidade Colúmbia e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)

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