Bolsonaro não quer tirar posto de ‘rei’ de Roberto Carlos
Boato publicado em vídeo no YouTube afirma que o presidente eleito tomou a decisão após 'descobrir mamatas' na Lei Rouanet. É mentira
Um dos alvos recorrentes do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), e, por consequência, de seus admiradores, a Lei Rouanet é o pano de fundo de uma lorota que tem como protagonistas Bolsonaro e o cantor Roberto Carlos.
Publicado em um vídeo no YouTube, o boato alardeia que o presidente eleito descobriu que o ícone da Jovem Guarda seria “um dos maiores beneficiados” pela lei de incentivo desde a criação dela e, em retaliação… decidiu “tirar o posto de rei do cantor Roberto Carlos”.
Narrada por uma voz digital, a lorota já foi vista mais de 1 milhão de vezes (veja abaixo).
O vídeo ainda desfila acusações: cita uma exposição sobre os cinquenta anos da carreira de Roberto Carlos, que teria captado 1 milhão de reais por meio da Lei Rouanet; distorce o conteúdo de uma publicação do blog Maquiavel, de VEJA, para afirmar que o cantor é investigado pela Polícia Federal em uma operação contra fraudes na destinação de recursos da lei; diz que o cruzeiro anual de Roberto e até mesmo o especial de fim de ano dele na Rede Globo seriam bancados “com nosso dinheiro”.
“Por isso não sobra dinheiro, os artistas que deveriam dar exemplo são os principais sugadores do dinheiro do povo, mas Bolsonaro já mandou avisar que a mamata já está acabando”, diz o vídeo.
Para começo de conversa, é inimaginável que, em condições normais, um presidente eleito determine qualquer tipo de censura, quanto mais sobre algo rocambolesco, como barrar o modo como um cantor popular é conhecido e chamado por seus fãs.
Ressalte-se que o Roberto Carlos não foi “coroado” pela caneta de alguma autoridade política, com direito a publicação no Diário Oficial da União – muito pelo contrário. Foi Chacrinha, em seu programa na TV Excelsior, em 1966, que nomeou o cantor “Rei da Juventude”, com direito a coroa entregue pela mãe do cantor, Lady Laura.
Em relação aos tópicos do vídeo, é fato que a exposição Roberto Carlos – 50 Anos de Carreira, que ocorreu entre março e maio de 2010, captou 1 milhão de reais via Lei Rouanet, montante incentivado pelas prefeituras de São Paulo (SP) e de Feira de Santana (BA) a partir de impostos da Nestlé. O projeto foi proposto em setembro de 2009 pela Natureza Produções Artísticas e Publicidade S/S Ltda, empresa que tem o cantor como sócio.
A exposição, contudo, é o único projeto proposto pela firma de Roberto Carlos à Lei Rouanet (veja abaixo), o que situa o “rei” bem longe daqueles que mais se beneficiaram da lei de incentivo desde que ela foi criada.
Para se ter uma ideia, conforme dados do portal de transparência do Ministério da Cultura destinado à Lei Rouanet, o Instituto Itaú Cultural aparece como a maior captador de recursos para projetos, com 144,7 milhões de reais referentes aos planos anuais de atividades da instituição entre 2010 e 2016. A Fundação Bienal de São Paulo e a Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira vêm em seguida, com 137,8 milhões de reais e 136,9 milhões de reais captados até o momento, respectivamente.
O vídeo também distorce uma nota publicada no blog Maquiavel, de VEJA, para dizer que Roberto Carlos foi investigado pela PF na Operação Boca Livre, deflagrada em 2016 contra desvios de dinheiro da Lei Rouanet. A publicação no blog informa que os investigadores miraram empresas que usaram dinheiro incentivado pela lei para contratar estrelas da música nacional a eventos privados. Entre os artistas estavam Roberto Carlos, Toquinho, Ana Carolina, Zizi Possi, Lulu Santos, João Bosco, Ed Motta, Adriana Calcanhoto e o maestro João Carlos Martins. “Não há, contudo, indícios de que os cantores soubessem da origem ilícita do dinheiro que receberam”, diz o texto de VEJA.
Por meio de nota à época, Roberto Carlos afirmou que “em nenhum momento se cogitou ser um projeto patrocinado por lei, inclusive não cabe à produção do artista questionar a origem da verba utilizada para a contratação de shows”.
Sobre outro item do boato, é mentira que o cruzeiro Emoções, que conta com shows de Roberto Carlos, seja custeado com recursos da Lei Rouanet. Uma busca por “Projeto Emoções” no portal de transparência do Ministério da Cultura não encontra nenhum resultado.
Igualmente falsa é a informação de que o especial de fim de ano de Roberto Carlos na Rede Globo seja custeado pela lei de incentivo fiscal. O cantor e a emissora têm contrato desde 1974 e o plano comercial da edição do show em 2018 não cita em nenhum momento a Lei Rouanet — pelo contrário, afirma que “os patrocinadores da última edição do Especial Roberto Carlos, Caixa e Almeida Prado, terão prioridade na renovação de suas cotas”.
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