Um poste no Ministério da Saúde?
Se aceitar papel figurativo, Queiroga vai emprestar seu diploma para esconder os ataques de Bolsonaro à ciência e não cumprirá o juramento de salvar vidas
O presidente Jair Bolsonaro não quer um médico independente que aja em favor da ciência à frente do Ministério da Saúde. Esse fato foi comprovado inúmeras vezes e os exemplos são vários: demissão do Henrique Mandetta, demissão do Nelson Teich, manutenção do general Eduardo Pazuello por 10 meses, participação em aglomerações, frases desumanas quando o país contava seus corpos, defesa de medicamentos com ineficácia comprovada, declarações contra vacina. A lista pode continuar, mas o leitor já a conhece. Os fatos são públicos e revoltantes.
É preciso dar tempo para o novo ministro da Saúde, o cardiologista Marcelo Queiroga, mas ele já escorregou em algumas respostas às perguntas iniciais dos jornalistas ao chegar na pasta nesta terça-feira, 16. Queiroga se mostrou contra aglomerações (de repórteres, pelo menos), mas falou em “continuidade da gestão Pazuello”, que foi péssima. “A política não é do ministro da Saúde. O ministro da Saúde executa a política do governo. O ministro Pazuello tem trabalhado arduamente para melhorar as condições sanitárias do Brasil e eu fui convocado pelo presidente Bolsonaro para dar continuidade a esse trabalho”.
O ponto é que, se for para fazer um papel figurativo, e continuar apenas cumprindo ordens, não precisava ter feito mudança alguma. O presidente às vezes escolhe alguém apenas para fugir das críticas aos erros que comete. Coloca um médico para dizer que está ouvindo a medicina e a ciência. Da mesma forma que ele fez, na dolorosa questão do racismo, com o deputado Hélio Lopes, chamado de Hélio Negão nos círculos bolsonaristas.
Hélio tem sido o contraponto de Bolsonaro desde a campanha, quando fez declarações extremamente racistas. Referiu-se com uma medida usada para pesar animais, a arroba, ao falar do peso dos moradores de uma comunidade quilombola. E disse que nem para “reproduzir” eles serviam. Desde então, o deputado tem ficado ao seu lado como anteparo. Em qualquer solenidade, lá está Hélio como se fosse a comprovação física de que o presidente não é racista. Bolsonaro também escolheu um negro para a Fundação Palmares. Mas Sérgio Camargo ataca até o Zumbi dos Palmares, e agora está sob acusação de assédio moral contra funcionários da Fundação.
Enquanto isso, o deputado Hélio Lopes está ao lado do presidente em inaugurações, lançamentos, coletivas, viagens oficiais, mostras, feiras, quermesses, cultos religiosos (pentecostais ou não), lives, eventos ministeriais, jogos de futebol (dos mais diversos times, aliás) reuniões ministeriais, mesmo ele não sendo ministro. O parlamentar é ex-perito criminal da Escola de Sargentos das Armas. Tem mandato a exercer na Câmara dos Deputados. Não há razão alguma para ser tão onipresente ao lado do presidente, a não ser tirar de Bolsonaro o peso das palavras discriminatórias que já disse.
Se o ministro Marcelo Queiroga fizer como o general Pazuello e repetir o lema “ele manda e eu obedeço”, será apenas uma figura decorativa, um biombo para esconder a verdade do desrespeito do presidente às orientações da ciência. O Ministério da Saúde precisa de um ministro que tenha mais do que apenas um diploma de doutor emoldurado na parede. É preciso ser capaz de impor uma forte e radical mudança de rumos se ele quiser cumprir o juramento que fez na sua formatura em medicina: salvar vidas.
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