João Doria foi cassado no dia 1º de abril de 1964.
Segundo parlamentar mais votado na Bahia, o nordestino havia assumido dois anos antes uma cadeira no parlamento brasileiro para o orgulho de dona Maria Carolina de Oliveira e seu João Agripino da Costa Doria.
Mas, após o ato institucional Nº 1 da ditadura, a vida de João Doria começaria a ficar difícil.
Bem difícil.
Uma sequência de eventos o levaria ao exílio, onde ficaria por muitos anos longe da família, voltando somente em 1974 para ver a mãe dos seus filhos, Maria Sylvia, morrer um mês depois.
Ela contava então 36 anos e morreu em decorrência de complicações de uma pneumonia.
Comenta-se que, na verdade, foi uma entrega de bastão dos filhos.
Maria Sylvia teria morrido de desgosto, vendo o amor da sua vida perseguido pelo autoritarismo, isso sem contar o abandono da sua própria família, que tinha preconceito em relação ao deputado nordestino e baiano João Doria.
Você, leitor, pode estar confuso.
Mas esse é o pai de João Doria Jr.. O filho daquele deputado cassado é que, nos últimos anos, virou prefeito, governador e, agora, tenta se viabilizar como o candidato à presidência no difícil espectro centrista de um Brasil polarizado.
João, o filho, visitou o pai, aos seis anos, na embaixada da Iugoslávia.
Foi para lá que o ex-deputado, falecido em 2000, se refugiou em 1964, para não ser morto pela ditadura, como aconteceria com seu colega parlamentar Rubens Paiva, anos mais tarde.
As lembranças são latentes, especialmente dessa visita do pré-candidato tucano ao posto consular: militares armados, muitos, violência psicológica contra sua mãe, revistada de forma absurda e brutal, e um pai escondido em um cômodo, com outros colegas parlamentares cassados… Sebastião Neri, Raul Ryff e Baby Bocayuva.
Era a última vez que João Doria veria o pai antes do exílio. Depois, só na França e por um tempo determinado de aproximadamente dois anos, quando foi vizinho de JK, Nara Leão e outros exilados.
Depois, o retorno do tucano para o Brasil, a falta de dinheiro, a fome.
Poucas pessoas sabem, mas João Doria Jr. passou fome na infância. Não come muita carne até hoje porque a privação do alimento na infância – quando pai estava no exílio e a mãe, dona de casa, sem dinheiro – o fez se acostumar a viver sem o luxo. Luxo, que muitos brasileiros até hoje não têm.
Seus três filhos insistem para ele comer um churrasquinho aqui e ali, mas João Doria Jr. prefere ficar sem carne.
Apesar de ter tido essa vida com privações na infância, João Doria Jr. é visto pela população brasileira, por adversários e até por aliados de outra forma: o rico paulistano, que herdou o bastante para iniciar uma trajetória vitoriosa na publicidade.
Contudo, não foi bem assim.
A vida para João Doria Jr. não foi fácil no período em que o pai esteve no exílio. Ao contrário.
Colecionador de chaveiros, não conseguia ter chave alguma ou abrir portas. Pediu emprego 12 vezes, aos 13 anos, até que, na décima terceira tentativa, requisitou ajuda justamente citando o pai.
Ou, a memória de João Doria.
Bateu numa agência de publicidade onde o pai havia trabalhado e sido bem sucedido.
Naquela época, durante a ditadura, sugerir que era filho de um deputado cassado poderia dar muito errado.
As perseguições extrapolavam a vida daqueles que resistiram ao regime e atingiam suas famílias.
João Doria Jr. – sim, é assim que ele se chama – apostou, meio que de forma inocente, e conseguiu o primeiro emprego, de office boy.
Foi Maurice Cohen, diretor-geral da Standard Ogilvy, que deu o posto de trabalho.
O filho de João Doria ficaria de um lado para o outro na agência carregando fitas, correspondências, materiais de escritório – eram quatro casas interligadas. Foi assim que começou a vida profissional.
Só três anos depois iria para a TV Tupi, onde conseguiu suas primeiras comissões, algo que aguçaria o seu gosto pela publicidade.
Daí, veio a criação de marcas, passeatas, eventos e personagens – inclusive o dele, que o levou para prefeitura de São Paulo e ao governo do estado mais populoso e rico do Brasil.
Mas João Doria Jr., agora, está preso ao personagem. E não consegue sair dele. Esse é o grande desafio de sua equipe, que trabalha pela candidatura ao Palácio do Planalto: humanizá-lo.
Doria não consegue manter a naturalidade em relação à sua própria trajetória.
Pois deveria. É uma história que vale a pena ser contada.