Orlando Brito: a despedida do maior e do mais querido
Ele fotografou nossas desgraças e alegrias - era reconhecido por isso. Nunca se contaminou, com a soberba ou a amargura
Orlando Brito, deixa eu te contar, todos os órgãos de imprensa disseram que você foi o primeiro brasileiro a vencer o prêmio mais importante do mundo no fotojornalismo e que ganhou tanto Prêmio Abril que se tornou hors concours, mas queria dizer que a Gabriela Biló pegou um avião, em São Paulo, chegou na última hora, e emocionou a todos com palavras sobre como era trabalhar ao seu lado no dia a dia.
Sabe o que ela tinha no ombro? Uma máquina fotográfica.
Sua jovem amiga, que fez a imagem do Alvorada nos seus óculos, pediu para você uma coisa: “vai fotografando o céu que quando eu chegar você me ensina”.
Zileide Silva, querida, fez uma bonita reportagem para o Jornal Nacional – coisa mais linda de ver é a Zi dizer: “São tantas fotos. Orlando Brito não parava. O grande fotógrafo das posses presidenciais. E foi mesmo. De 67 para cá fotografou todas. O poder, o xadrez político… foi retratado de todas as formas”.
Nós jornalistas sabíamos o seu tamanho, Britão, e o Instagram, aplicativo que você me dizia que nem gostava tanto, foi inundado com as imagens que você fazia dos colegas – algumas da década de 70, outras de dias atrás.
Existe uma dimensão daquilo que só você também conseguiu fazer, mestre, acarinhar a todos – unir as velhas e as novas gerações de jornalistas.
Fiquei até com ciúmes quando me contaram que você era fonte de tantos outros. Nem acreditei. E eu achando que você contava o melhor para mim, Brito? Muita ingenuidade de minha parte.
Ricardo Noblat lembrou sobre os almoços de todos os sábados, ao lado de João Bosco Rabello e companhia. Você não tinha jeito mesmo. Fiquei preocupado sobre como serão os almoços agora. Ele também me disse de sua última peripécia. Nem acredito.
Robson Bonin me falou dos bastidores que você passava para ele – não quero nem saber, vou revelar sim que você era mesmo fonte de todos. Queria informar o Brasil inteiro.
Hoje pode.
Se não der para abrir uma exceção em sua partida, não sei quando farei isso. Estou sentindo falta de você me chamando de “meu filho” e dando puxões de orelha. Você ligava na hora certa, Brito.
Miriam Leitão me contou de todos os áudios, de todos os bastidores, de tudo derramado na vida dela por tanto tempo, por tantas décadas. Você conseguiu fotografar ela com militares em 1978, e eu com militares em 2013. Tu era meio perfeito, não?
Fernando Rodrigues parecia inconsolável. Não queria nem falar o seu nome para não se emocionar. Andou o cortejo ao meu lado, cabisbaixo, olhando para você. Tales Faria tentava ser forte como ele sempre é. Os outros integrantes que haviam passado pelo Divergentes também. Precisava ver.
Contaram uma sua e do Andrei Meireles ótima. Com o Ribamar Oliveira, também.
Imagino que vocês dois já estão pensando em uma reportagem por aí, onde andam, depois que nos deixaram. Que história sensível sairá dessa dupla?
Bia, Rosa Costa e Christiane Samarco choraram. José Casado abraçou as amigas. Ana Dubeux postou uma imagem de uma reportagem sobre você, com agressões a jornalistas durante a redemocratização. Adivinha quem estava presente na foto?
Rebeca Scatrut pediu para eu escrever sobre sua vida. Ela disse que eu tenho muitas boas lembranças. Não sei se vou. Coração quebrado por aqui, Brito. Uma coisa sei, não vou contar só dos seus prêmios.
Vi o ministro das Relações Exteriores chegar com um livro de sua autoria embaixo do braço, sem máscara (as cidades estão liberando não usá-las, não sei se soube nestes dias de internação) e sereno. Ele foi delicado e educado como um bom diplomata. O óbvio é surpreendente, em se tratando deste governo horroroso.
Noblat, provocador, perguntou: “veio representando o presidente?” Do jeito que é esse ocupante do Palácio, com certeza não. Zero compromisso com a História.
Em um grupo de escritores que faço parte, alguns diziam que te conheciam, outros que queriam te conhecer. A Dorrit Harazim escreveu que você era o maior fotógrafo, mas também o maior “biógrafo visual do Brasil”. Definiu precisamente seu tamanho.
O casal Malu Mader e Tony Belotto pediu conselho para comprar imagens do seu acervo, e que estão sendo usadas para ajudar a família, seus netos.
Afonso Borges, naquele jeitão dele de unir a tudo e a todos (me lembrou você, Brito), perguntou para mim: qual imagem sua eu indicaria para o casal mais bonito do Brasil? Falei de prontidão… a do Dr. Ulysses andando do lado de fora do Congresso.
Quem não quer uma foto do Dr. Constituinte feito por você, Brito? “Maravilha, maravilha será esta”, respondeu.
Havia uma preocupação com o câmera João Raimundo, seu amigo por tanto tempo, e que tentava ser firme para enquadrar a última despedida, a última imagem de você, Orlando Brito.
Isabela Camargo, que fez reportagem sobre sua carreira, tão bonita quanto a da Zileide para o JN, estava muito triste. Marina Franceschini, inconsolável.
Camarotti fez uma bonita homenagem para você, mas não vi ele por lá. Você conhece ele, deve estar apurando alguma coisa. Dizem que no Rio. O Júlio Mosquera resumiu bem como sempre: “que triste nos encontrarmos aqui”. É… triste demais a sua partida, Orlando Brito.
Rodrigo Rangel não quis chegar tão perto. Te contei da nossa amizade há uns meses. Ele não gosta dessas despedidas. Não gosta. Tem uma multidão aqui, mestre, sentindo sua falta.
Os indígenas estavam presentes para mostrar que teve uma hora que sua proximidade única dos poderosos de Brasília te levou a querer fotografar a genialidade desse sofrido povo brasileiro. O líder tocou um instrumento de sopro na hora final. Você descansou com esse som, no canto dos pioneiros. Bem bonito.
Sérgio Abranches mandou mensagem sobre quando vocês entraram no mesmo dia na Última Hora, seu primeiro emprego, na década de 60. Fiquei meio impressionado com o tanto de histórias que todos tinham sobre você ou mensagens recebidas de… você. Que horas você fazia suas fotos?
Eumano Silva está escrevendo um novo livro. Coração apertado, Britão. Lembrou do pai dele quando falou de ti.
Todas as gerações de jornalistas ficaram muito tristes. Todas. Daniel Carvalho, Marcelo Ribeiro, Nilson Klava, Basília Rodrigues, Camila Turtelli e muitos outros postando fotos que você tirou deles – parecia uma enxurrada de imagens brilhantes dos colegas jornalistas. Tá doendo demais essa, Orlando Brito.
Vou tentar resumir assim… Que linda união multi-generational de jornalistas você fez. Desejo que a cola segure bastante este ano. Vamos precisar.
Não contarei tudo. Dorrit já contou. Lembrou que, numa profissão exibida como a nossa, tu nunca ostentou saber. Mas, lhe digo, você soube acolher cada um a seu tempo e de forma especial. Vi olhos marejados por todos os cantos.
Helena Chagas contava, meio distante, alguns de seus casos. Me revelaram depois.
Sua família, mestre, estava lá. Carolina, doce, estava muito abalada. Ficaremos de olho nela, prometo ou espero que sim. Tem um site com acervo das suas imagens que todos podem comprar, não só Malu e Belotto. Gabriel, seu genro, segurou uma barra danada nos últimos dias, até que desabou. Não deu para segurar o choro nessa hora.
Estamos todos com saudade e você acabou de ir. Eu cheguei ao seu lado, e meu irmão, Vladimir, me pousou a mão no ombro. Foi quando consegui chorar pra valer. Bem difícil, Orlando Brito, sua despedida. Que dedicatória linda de um de seus livros você fez para ele.
Eu estou com a foto que você fez da parte de trás do Memorial JK em cima da mesa da sala. Obrigado pelo presente. Acho que ficamos um pouco órfãos, sabe?
Não é por nada não, mas você, com seu jeito especial, acabou nos deixando mal-acostumados, num bom sentido, claro. Mas agora está doendo bastante não te ter por aqui. Orfandade é difícil.
Os fotojornalistas, depois que Biló contou do seu dia a dia, foram todos para o seu entorno. Sérgio Lima, daquele jeito dele, firme, não conseguiu esconder o que sentia. Contou um monte de histórias dos seus últimos projetos.
Chorou enquanto carregava o caixão. Pedro Ladeira contou sobre quando você fotografou o José Sarney no início e no fim do governo, numa mesma árvore.
Quem consegue fazer isso, Britão? Fiquei pensando onde era essa árvore.
Aliás, ele, Ladeira, ficou de longe, de mãos dadas com o filho e a mulher, justamente embaixo de uma árvore, vendo seu caixão descer. “Vai ser muito difícil para os fotógrafos”.
Ricardo Amaral me falou do seu amor pela fotografia. O nosso amigo, Brito, estava também pensando no tamanho de sua obra e de seu coração. Você sabe como ele é.
Não sei, fiquei pensando – eu – sobre a diversidade do seu amor, que atravessou o tempo. O casal Xico Prado e Natália André ficou por perto. Nas redes, contaram uma história bonita sua que só lendo.
Aliás, os fotojornalistas Ailton de Freitas, Ricardo Stuckert, além de Lima, claro, decidiram carregar o caixão, junto com a família. Achei lindo e justo.
Ueslei Marcelino, Eraldo Peres, Joedson Alves, Andressa Anholete, Ed Alves, Igor Estrela, Rafaela Feliciano, Roberto Stuckert, Hugo Barreto, Iano Andrade, Carlos Humberto, Beto Barata, Zé Paulo Lacerda, Eugenio Novaes, Ana Nascimento, Celso Júnior, Ailton de Freitas, o Freitinhas, Joel Rodrigues, Lúcio Távora, Roberto Jayme, Cláudio Reis, Wanderley Pozzembom, Matheus Bonomi, Raul Spinasé, Walterson Rosa, Bruno Stuckert, Herminio de Oliveira estavam por lá.
Tentei citar todos porque sei que você gostaria de saber, e também porque ando meio indignado com a forma como esse governo transforma vocês, fotojornalistas, em alvos. Lembraram, claro, do Dida Sampaio. E que você e ele foram agredidos recentemente.
Queria ter falado mais com os fotógrafos. Afinal, eram esses colegas que estavam no dia a dia com você, apesar de ter a certeza, agora, que você fazia o dia a dia com cada um de nós, de forma tão especial.
Amigos da minha faculdade de jornalismo, que começaram a estudar no final da década de 90, estavam impressionados com tantos relatos na internet sobre você.
Kelly Matos, lá do Sul, chorou ao ver a foto que você tirou de nós dois, e falou de Bernardo Mello Franco, que também batucou bonito texto sobre sua importância. Tanta gente passou pela capital, e lembrou de você. Ana Paula Padrão chorava em São Paulo.
Vou parando, mestre, me desculpa os não citados (existem tantas histórias contigo), mas, como disse, não consegui falar com todos fotógrafos porque também fiz uma cirurgia e deu uma dor danada agora de lembrar que não contaremos com o seu carinho diário – único, gentil, sincero.
Esses seus gestos de fotografar colegas para os acervos pessoais – carinhos agora eternizados – enquanto fazia a nova imagem histórica do poder – uma aqui outra ali – eram de uma delicadeza.
Só digo uma coisa: quando você achou a luz em torno do Dr. Ulysses Guimarães, de perfil, você nos dizia, com apenas uma imagem, que ele era nosso Moisés, o homem que nos ajudou a atravessar o deserto da ditadura militar.
Pois você, Brito, foi o nosso.
O Moisés do jornalismo brasileiro. Escolhido a dedo. Que falta você fará.
A TV Brasil, escuta essa, perguntou se você poderia mandar uma foto daí. “Se puder, nos mande em breve uma imagem do paraíso”. Achei uma baita ideia. E do jeito que você é, fico até imaginando isso acontecendo. Sobrenatural com imagens é tão difícil de fazer, mas você conseguia.
Amigo, não quis contar tanto hoje da sua brilhante e inigualável carreira. Sérgio Lima ficou de me enviar cinco fotos – coitado, só cinco – feitas por você em quase 60 anos. Mas é que me bateu uma vontade danada de falar do ser humano. E do seu amor derramado por todos os lados entre os profissionais de imprensa deste país.
Tá bom, sua genialidade estava em todas fotos, eu entendi isso faz tempo, e a dimensão agora é ainda mais assustadoramente bela para o jornalismo brasileiro.
Que um grande acervo seja feito, como pregou Dorrit.
Só queria dizer, Brito, que entendi outra coisa: seu legado está em quase todos jornalistas – parece impresso em cada um de nós. Ou vai se somando por muitos para estar presente.
Diverso, atravessou gerações. Os que choravam eram mais velhos e até aqueles jovens, bem mais jovens do que eu.
Dizer adeus para você, mestre Orlando Brito, é muito difícil. Mas é isso: adeus, e, se lembrar, dá um beijo no Jorge Bastos Moreno, meu padrinho, por mim. Ele faz uma falta danada aqui também.