O tiro pela culatra de Mourão ao tentar ajudar Braga Netto
Militares estiveram presentes em todos os golpes de estado ocorridos no Brasil, inclusive naqueles que não tiveram sucesso

Ainda que muito se tente, é inútil reverter a verdade do passado. Em entrevista para a jornalista Victoria Abel, o senador Hamilton Mourão tentou minimizar os preparativos golpistas, elaborados ainda dentro do governo do qual era vice-presidente, rotulando-os como uma mera “operação tabajara”.
Esta tentativa de descaracterização de algo tão óbvio quanto o golpe tramado parece tentar subestimar a capacidade cognitiva dos leitores, como se não fossem claras as inúmeras evidências concretas de que havia uma tramoia para derrubar o governo recém-eleito, além de planos letais contra o então futuro presidente, seu vice e um ministro do Supremo Tribunal Federal.
As investigações da Polícia Federal revelaram que não se tratava de meras reuniões exploratórias ou pensamentos isolados, mas de um esquema criminosamente planejado, com o envolvimento ativo de altos escalões militares.
Em outro ponto da entrevista, Mourão parece tentar justificar o ato dos militares como se fosse um sintoma causado pela “população descrente do processo eleitoral”. O problema, novamente, volta ao governo ao qual ele fez parte, pois essa crise de confiança foi orquestrada pela própria gestão Bolsonaro.
Por favor, senador.
Integrantes do Exército e outros aparelhos de Estado foram instrumentalizados para disseminar desinformação e teorias de conspiração infundadas sobre fraudes eleitorais. Esta estratégia visava justamente deslegitimar o processo eleitoral e preparar o terreno para um golpe, caso os resultados das urnas fossem desfavoráveis.
E como a história real não se reverte, é fundamental esclarecer e contextualizar a participação histórica das forças armadas em todos os golpes ocorridos no Brasil. A história política brasileira foi frequentemente marcada pela intervenção direta ou influência dos militares em alterações governamentais, desde a proclamação da República em 1889, até as tentativas mais contemporâneas de subversão da ordem democrática após as eleições de 2022.
Eles estiveram presentes até nas tentativas fracassadas, como em 1959, quando militares da Força Aérea Brasileira (FAB) tentaram, na chamada Revolta de Aragarças, retirar Juscelino Kubitschek do governo. Assim como em 2022, o plano falhou. No entanto, não deixou de ser uma tentativa de golpe.
Por isso mesmo, a tentativa de Mourão de “aliviar” o envolvimento do general Braga Netto, chamando sua prisão de “atropelo das normas legais”, gera até certa vergonha alheia, dada a gravidade dos fatos já apresentados pelas investigações.
Documentos da Polícia Federal detalham um esforço coordenado, apontando que Netto teria inclusive financiado a chamada operação “Punhal Verde e Amarelo”, garantindo que ele teria arrecadado dinheiro para viabilizar as ações dos chamados “kids pretos”, para a subversão do processo democrático.
Ainda que a defesa seja um direito a todos os acusados, é preciso reconhecer que os eventos descritos não foram apenas uma falha de planejamento ou uma tentativa mal sucedida e isolada de golpe. Foram, na realidade, ações criminosas que visavam desestabilizar a democracia brasileira.
A tentativa de Mourão de suavizar a gravidade desses planos não só demonstra uma desconexão com a seriedade dos fatos, mas também sugere uma perigosa indulgência com atitudes que ameaçam o cerne das nossas instituições democráticas.