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Blog de notícias exclusivas e opinião nas áreas de política, direitos humanos e meio ambiente. Jornalista desde 2000, Matheus Leitão é vencedor de prêmios como Esso e Vladimir Herzog
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O indígena que se formou em direito e teve seguidas vitórias na Justiça

Eliesio Marubo saiu de uma aldeia no Vale do Javari, Amazonas, aos 16, para estudar e é advogado dos povos indígenas numa área conflagrada de fronteira

Por Matheus Leitão Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 25 jun 2020, 14h25 - Publicado em 25 jun 2020, 08h33

O advogado Eliesio Marubo, de 39 anos, é mais que um integrante de uma popular etnia da terra indígena Vale do Javari, no oeste do estado do Amazonas. O indígena é de uma linhagem de líderes, o que tem muito peso entre os Marubo. Deixou a aldeia aos 16 anos para se tornar, mais de duas décadas depois, um defensor aguerrido dos direitos dos povos originários.

A história de Eliesio Marubo explica sua influência e seu ativismo em favor dessas comunidades. O indígena da povo Marubo é filho de um líder da etnia com uma mulher branca. Segundo ele, os Marubo sempre tiveram o desejo de liderar seus territórios, conhecer a língua portuguesa e encontrar soluções para ajudar o próprio povo.

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Eliesio Marubo explica que, na época em que os seringueiros dominavam a região, vindos de grandes famílias, “a ideia dos caciques era tomar o lugar dos patrões, que eram as pessoas que gerenciavam as estradas de seringa, mas eles não sabiam português e não conheciam dinheiro”. “Então o meu avô mandou as pessoas para a cidade”, afirma, lembrando que o ciclo econômico da borracha terminou em 1945.

Mantendo essa mesma visão desenvolvimentista, uma geração depois, o pai de Eliesio o enviou, ainda adolescente, para estudar na “cidade grande”. Ele saiu da comunidade Marubo aos 16 anos, e seguiu primeiro para Cruzeiro do Sul, município localizado no interior do Acre. Junto com a mãe e com irmãos, morou também em cidades como Rio Branco, Porto Velho e Manaus.

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Na capital do Amazonas, ajudou um irmão mais velho ao assumir um cargo administrativo e burocrático na organização que hoje se chama Unijava (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari), responsável por atuar na defesa dos direitos coletivos dos indígenas dessa região. Mas o trabalho ainda não era o de um ator do direito. Isso só aconteceu um tempo depois.

É que em 2002, Eliesio Marubo conheceu sua esposa, uma professora universitária. Ela o ajudou a ter uma nova visão sobre a importância da formação superior. Por conta desse incentivo e do interesse em atuar ativamente em favor dos índios, plantado pelas gerações anteriores, ele decidiu ir para Manaus cursar direito na Universidade Estadual do Amazonas. 

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Eliesio Marubo, no Vale do Javari, Amazonas (Marubo/Arquivo pessoal)

“Ao fim, abdiquei de ir para escritórios e minha meta pessoal foi sempre a de retornar e reassumir meu lugar no movimento indígena oferecendo agora mais essa possibilidade de atuação, como advogado”, explica o indígena cujas as ações protocoladas na Justiça tiveram o maior destaque até hoje seja no direito penal ou no civil.

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Eliesio conta que chegou na região, após finalizar o curso de direito, em um cenário de pouco diálogo e, desde então, atuou na defesa dos índios. “Já entrei numa situação extrema, tudo polarizado politicamente, a gente no meio da briga. A região é tríplice fronteira e tem muita história extrema, narcotráfico, pescador, caçador e esse perigoso interesse de outros guetos no ingresso da terra indígena, sobretudo em áreas dos parentes que estão em isolamento”, explica.

Histórico de ações

Eliesio conta que assumiu alguns processos que acusavam indígenas de improbidade administrativa por mau uso de recursos públicos geridos pela Unijava, que recebia valores da União. Segundo ele, desde o início, a deliberação da comunidade foi de proteger os interesses coletivos e não as posturas individuais que estivessem erradas. “A deliberação do Vale do Javari era ‘não vamos passar a mão na cabeça de ninguém. Quem for podre, que se quebre’”, explica.

A maior parte dos processos de improbidade administrativa – 17 de 25 – não prosperou porque as acusações não tinham fundamento. A atuação nessas ações mostrou para Eliesio Marubo uma demanda crescente entre os povos originários: os muitos processos envolvendo indígenas que sequer sabem falar a língua portuguesa e, por isso, não conseguem se defender.

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“Nós, como organização, temos o dever moral de fazer a representação de indígenas do Vale do Javari. Porque há parentes que não falam português, mas falam a nossa língua, e explicam qual tem sido a situação que mais aflige eles”, afirma.

Na conversa com a coluna, o indígena comentou sobre as atuações importantes que tem tido para tentar evitar, por exemplo, a entrada de missionários em áreas de índios isolados. Em uma dessas ações, iniciada na Subseção da Justiça em Tabatinga, município do Amazonas, o advogado conseguiu liminar que impediu a entrada de missionários em regiões onde ainda há índios isolados e sem contato com a sociedade majoritária brasileira.

Operação no rio Jandiatuba, no Vale do Javari, contra garimpo em terra indígena
Foto área do Vale do Javari. Dez registros confirmados de índios isolados no país estão na região (Ibama/Divulgação)

Segundo ele, já está comprovado que a presença de evangelizadores entre os índios influencia na cultura e em tradições como as muitas atividades coletivas realizadas nas comunidades. “Eu estou disposto a levar essa situação até as últimas consequências porque nós temos informações técnicas, estudos teóricos que indicam que a permanência dos missionários no nosso meio é prejudicial e tem nos trazido um problema social seríssimo”, argumenta.

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Para além da influência social, existe outro risco: o da saúde desses povos. Dados históricos mostram o quanto indígenas podem ser frágeis às doenças dos brancos. Uma simples gripe pode ser fatal em poucos dias. Essas informações fortalecem o paradigma da “política do não-contato”, iniciada na década de 80, e da intangibilidade dos territórios de índios isolados. 

O Vale do Javari, onde Eliesio Marubo nasceu e hoje atua como advogado, concentra o maior número de povos indígenas isolados do mundo. Dos 28 registros confirmados no país, 10 deles estão na região. O defensor quer que eles permanecem sem contato com os brancos.

Pastor na Funai

Eliesio Marubo também atua como advogado na longa luta processual que tenta anular a nomeação do missionário Ricardo Lopes Dias para a Coordenação-Geral de Índios Isolados e Recém Contatados da Fundação Nacional do Índio (Funai). O processo envolvendo Ricardo Lopes Dias teve início com o Ministério Público Federal (MPF), mas Eliesio Marubo ingressou na causa como parte interessada.

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Ricardo Lopes Dias foi nomeado em fevereiro deste ano e a sua atuação como missionário na Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), organização que prega a evangelização de indígenas na Amazônia, gerou críticas de indigenistas e servidores da Funai.

Para a nomeação se concretizar, o presidente do órgão, Marcelo Augusto Xavier, abriu uma brecha no regimento interno da Funai seis dias antes da designação do pastor. A alteração serviu para que o cargo de coordenador de índios isolados, área mais técnica do órgão, pudesse ser ocupado por pessoas de fora do quadro da administração pública.

Com atuação do Ministério Público Federal e de Eliesio Marubo, a nomeação de Ricardo foi suspensa pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) em maio. Em junho, após uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a designação voltou a ser validada, mas um recurso interposto por Eliesio Marubo tenta reverter a decisão.

Para o defensor do Amazonas, a presença de Ricardo Lopes na coordenação da Funai é uma ameaça à cultura dos povos originários. “A própria Constituição reconhece a nossa forma tradicional, a nossa cultura. A indicação dessa pessoa, com esse perfil, e o seu desconhecimento e o seu propósito, fere mortalmente o nosso direito à prática da cultura, a nossa prática tradicional”, avalia o advogado.  

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