O grito de Fernanda Montenegro ecoa (contra Bolsonaro, mas alertando Lula)
A maior atriz de todos tempos no país precisa - urgentemente - ser ouvida mais uma vez
“Estamos vivendo um momento complicadíssimo, porque esse horror [Bolsonaro] quer continuar, e o outro [Lula], apesar de ter sido bastante interessante, quer voltar. Mas com quem? Com o quê? Com qual atendimento político honesto e sadio, sem ter que comprar votos para continuar, por exemplo? [Se o Lula voltar], seria como uma reeleição.”
É difícil, eu sei.
A frase da maior atriz brasileira de todos os tempos, repetida após sua posse na Academia Brasileira de Letras, é difícil de digerir, mas precisa ser traduzida para que o país possa também olhar para frente.
Um dia quem sabe, Fernanda. Quem sabe um dia.
Estamos numa emergência e ela sabe.
Tanto que Montenegro não compara os dois. Claramente faz uma diferenciação, assim como esta coluna sempre fez. Até porque não se compara o atual presidente com coisa alguma.
Jair Bolsonaro traz o que há de pior no mundo. Sim, no mundo e sem exagero.
É o representante clássico do fascismo e do neonazismo, que ressurgiu atraindo multidões também no Brasil, para a nossa tristeza.
Um Brasil que se sabia de sua existência, mas que não saía do armário com esta magnitude desde a ditadura militar – agora levando a milícia, e o fundamentalismo religioso, ao poder.
O pesadelo que ressurgiu com Bolsonaro afetou todas as áreas do país, incluindo o massacre contra os povos indígenas.
A imprensa tem sido diligente em mostrar esses males, mas Bolsonaro e o bolsonarismo resistem assustadoramente nas pesquisas eleitorais.
É preciso pensar por que.
Lula fez muita coisa boa, mas também outras que não deveria repetir, para o bem do Brasil.
O Bolsa Família, que a elite brasileira – e até parte da classe média – não aceitou até hoje, elevou, sim, os mais pobres, miseráveis, ao menos a uma classe social, que simplesmente não existia.
Dá para medir a importância disso? Fortalecer a rede de proteção social é agora mais importante do que nunca, porque o país empobreceu nos últimos anos.
Para a direita hidrófoba brasileira foi apenas uma jogada eleitoral de perpetuação no poder.
Mentira.
Lula o fez de coração aberto. E foi uma política pública com técnica, eficiência e propósito.
Mas o petista sempre fez a política nua, crua e até cruel, dividiu o país entre nós e eles, à época contra o PSDB, que plantou a semente do Bolsa Família através do Bolsa Escola.
A motivação de nos dividir, mesmo que politicamente considerada certa pelo PT naquele momento, foi uma insensata decisão para o país.
Faltou a Lula a sabedoria do Dr. Ulysses.
Hoje, quando o país vê renascer o fascismo, Lula se deixa ser abraçado por Geraldo Alckmin, o mais tucano dos tucanos, e que, agora, no auge da conveniência, “virou socialista”.
Não há comparação entre Bolsonaro e Lula.
Não há.
E Fernanda Montenegro diz isso, na minha opinião, quando fala “apesar de Lula ter sido bastante interessante”.
A maior atriz está falando das coisas boas do governo PT, que ajudou, por exemplo, os povos originários a protegerem suas terras, com uma ministra do Meio Ambiente com a grandeza de Marina Silva, um ministro da Cultura da lindeza de Gilberto Gil.
Existem outras virtudes e acertos dos governos petistas.
Lula não roubou, e hoje tem 24 anulações de sentenças arquivadas, despejadas e, o mais importante, julgadas, mas houve corrupção em seu governo. Alguém pode esbravejar que há corrupção em todos os governos.
Sim, no de Lula também então.
A ingenuidade, neste caso, pode ser vista dos dois lados.
Na minha opinião (não falo por Fernanda, ninguém fala por Fernanda, Fernanda é), contudo, Montenegro apontou o pior defeito de Lula, e talvez, por que não dizer, sua maior qualidade pessoal.
Ele continua a arrastar multidões – sambas espalhados pelo Brasil tem gritado, ao fim dos batuques, “olê olê olê olá, Lulaaaa Lulaaaaaa” – mas o ex-operário de chão de fábrica que passou fome na infância, saiu do nordeste num pau de arara… nunca quis passar o bastão de verdade, vide as alianças que faz hoje e as que fez por Fernando Haddad, em 2018. Vide o que PT fez com Marina em 2014.
Sim, não há comparação entre os dois, Bolsonaro e Lula.
Lula é maior e melhor.
“[Se o Lula voltar], seria como uma reeleição”, disse Fernanda Montenegro. “Com qual atendimento político sadio?”, perguntou a atriz.
A renovação da esquerda – há bons nomes – faria bem ao Brasil, que lideraria a América Latina em vez de mais uma vez deixar o Chile abrir o caminho no escuro de 2021, com Gabriel Boric e Irina Karamanos.
Lindo, o que acontece por lá, nas terras áridas chilenas.
O Brasil vai precisar de Lula mais uma vez, à medida que não surge outro nome que empolgue em 2022, isso, vinte anos após o petista vencer uma eleição histórica e que trouxe esperança.
Estava na posse, embaixo do parlatório, quando FHC colocou a faixa presidencial em Lula.
Mas ele, se eleito, deveria trabalhar muito pelas novas lideranças. O país precisa de renovação.
Fernanda Montenegro pede, eu acho.
O Brasil também deveria, tenho certeza.