Existe uma máxima em período eleitoral: se o candidato, seja ele quem for, do primeiro colocado ao último nas pesquisas, tiver de se explicar sobre alguma declaração, já perdeu aquele debate.
Pois bem.
Na quarta-feira 6, o ex-presidente Lula afirmou, em evento da CUT, que o aborto deveria “ser transformado numa questão de saúde pública e todo mundo ter direito”.
“Aqui no Brasil ela não faz (aborto) porque é proibido, quando na verdade deveria ser transformado numa questão de saúde pública e todo mundo ter direito e não ter vergonha”, disse o ex-presidente, criticando corretamente o fato de que mulheres pobres morrem ao tentar abortar enquanto a “madame” faz em “Paris”.
No dia seguinte, Lula teve de corrigir a rota de sua visão sobre o tema, já que, obviamente, os conservadores e direitistas fizeram (e ainda farão mais) um carnaval com a declaração do petista.
“Essa pergunta já chegou pra mim umas mil vezes: eu sou contra o aborto, mas é preciso transformar numa política pública. Mesmo eu sendo contra, ele existe, ele se dá com uma pessoa de alto poder aquisitivo, ela vai ao exterior e se trata. E o pobre, como faz?”, perguntou Lula, na quinta-feira 7.
O que está em jogo com esse debate é o eleitorado evangélico, que, em 2018, foi essencial para a eleição de Jair Bolsonaro (e a chegada ao poder da extrema direita sádica, os órfãos dos porões da ditadura militar).
Como escreveu a Folha em 25 de março deste ano, ou seja, há 14 dias, os “evangélicos, divididos entre Lula e Bolsonaro, são pote de ouro eleitoral”.
E por que pote de ouro?
Porque colocaram o atual presidente no segundo turno das últimas eleições e o resto da história sabemos: direitos humanos violados, indígenas surrupiados, aumento do desmatamento, aparelhamento do sistema educacional, Centrão no poder, milicianos armados ameaçando e intimidando “adversários políticos”…
Será agora o momento de ser pragmático?
Não digo só sobre Lula, mas em relação aos outros candidatos também: os que representam a chamada “terceira via”, apesar de serem quatro, cinco ou seis (está difícil manter atualizado esse número).
No último DataFolha, Bolsonaro aparece numericamente à frente no segmento evangélico num eventual segundo turno contra Lula. O atual presidente está com 46% das intenções de voto contra 43% do petista.
Considerando apenas esse segmento religioso, em dezembro do ano passado era o petista quem tinha 46%, e Bolsonaro, 44%. Já no primeiro turno, estava 38% a 34%.
É preciso lembrar que, em 2018, no auge do antipetismo, Bolsonaro obteve 70% dos votos evangélicos, contra apenas 20% que votaram em Fernando Haddad e no PT. Outros 10% anularam.
O governo tem recuperado popularidade e apoio nas últimas seis pesquisas eleitorais. Seis. E ele, Bolsonaro, fará de tudo para reavivar o antipetismo. Já, já começará a transformar isso em sua pauta diária.
Se João Doria – ou outro dos candidatos de centro – não conseguir quebrar essa polarização PT versus bolsonarismo… teremos o que tem se formado até aqui: Lula versus Jair no segundo turno.
Com a frase de Lula sobre o aborto, esse eleitor evangélico poderá, sim, voltar correndo para os braços do atual mandatário, que vive fazendo púlpito de palanque e afagando o ego (mais que inflado) dos pastores evangélicos.
Pergunto de novo: será agora o momento de ser pragmático?
É preciso expurgar de uma vez a extrema direita, a começar pelo primeiro passo que é derrotar Jair Bolsonaro nas eleições, como a maioria dos norte-americanos fizeram com Trump.
O famoso “vote them out”.
Um segundo mandato de Bolsonaro será devastador, como bem definiu o autor de Como as Democracias Morrem.
É isso que queremos?
Lula errou. Um erro caro. E a eleição, que ainda nem começou, será dificílima.
Você, leitor, responda se não é hora de pragmatismo político.