As alegações do hacker Walter Delgatti Neto na CPI do 8 de Janeiro colocam Jair Bolsonaro numa situação ainda mais delicada. Notório invasor de sistemas eletrônicos para surrupiar informações privadas, Delgatti afirmou que o ex-presidente cometeu crimes em série, liderando uma conspiração contra a democracia brasileira.
É o mais forte depoimento dado à CPI dos atos golpistas. O hacker implica diretamente não só o líder da extrema direita como o marqueteiro do ex-presidente, Duda Lima, a deputada Carla Zambelli e a cúpula das Forças Armadas, dando detalhes sobre as circunstâncias em que os crimes teriam acontecido.
A coluna já havia alertado, no dia 4 de agosto, que não é o comportamento do hacker que choca (já se sabe que ele comete crimes), mas como os poderosos – incluindo o ex-presidente – teriam se portado. O momento mais delicado do depoimento aconteceu quando o deputado Pastor Henrique Vieira pediu a palavra. Leia abaixo a sequência de perguntas e respostas:
– Deputado Pastor Henrique Vieira: Quem pediu para o senhor tentar fraudar esse sistema?
– Hacker Walter Delgatti Neto: Carla Zambelli, por ordem do ex-presidente Bolsonaro.
– Deputado Pastor Henrique Vieira: Quem pediu para o senhor assumir a autoria de um suposto grampo contra o ministro Alexandre de Moraes?
– Hacker Walter Delgatti Neto: O presidente Bolsonaro.
– Deputado Pastor Henrique Vieira: Quem te convidou para fazer propaganda eleitoral para sugerir ao povo uma suposta fraude no sistema eleitoral?
– Hacker Walter Delgatti Neto: O marqueteiro Duda e também o presidente Bolsonaro.
– Deputado Pastor Henrique Vieira: Quem te encaminhou ao Ministério da Defesa para elaborar questionamentos ao TSE sobre o sistema de votação?
– Hacker Walter Delgatti Neto: O então presidente Jair Bolsonaro.
– Deputado Pastor Henrique Vieira: Quem te disse que se o senhor cometesse um ilícito seria perdoado e receberia um indulto?
– Hacker Walter Delgatti Neto: O então presidente Bolsonaro.
– Deputado Pastor Henrique Vieira: Quem te deu carta branca para até mesmo na ilegalidade?
– Hacker Walter Delgatti Neto: O então presidente Bolsonaro.
O país já viveu outros momentos como o dia de hoje. Em 11 de agosto de 2005, o marqueteiro Duda Mendonça foi responsável por um dos momentos mais delicados do escândalo do mensalão: em depoimento à CPI dos Correios, ele admitiu ter recebido cerca de R$ 10,5 milhões de reais no exterior, como pagamento pela sua participação na campanha que elegeu o presidente Lula, em 2002. O petista foi à televisão para um pronunciamento em que admitiu os “erros” do partido e do seu governo, pedindo desculpas ao país.
No caso de Bolsonaro, a situação se soma a outras denúncias que, como mostrou a coluna, fecham o cerco contra o ex-presidente da República. A situação do político, já inelegível, vê a face criminal contra ele piorar, porque tudo se conecta nele, seja no caso das joias, seja no uso da Polícia Rodoviária Federal para tentar interferir no resultado das eleições.
Jair Bolsonaro sempre atacou a funcionalidade das urnas eletrônicas brasileiras. Mas a pergunta que ficará, se comprovado o teor do depoimento de hoje é: quem não presta, elas ou o ex-presidente?
PS – É sempre importante lembrar que a trama envolvendo o hacker já havia, inclusive, sido revelada em reportagens de VEJA há um ano. Aliás, ele disse que uma parte do plano – a de dar uma entrevista a um órgão de imprensa – e soltar uma afirmação de que a urna eletrônica era vulnerável só não foi adiante justamente porque a revista relevou que ele se reuniu com Bolsonaro.