As três torres de Putrajaya e um modelo anticorrupção para o Brasil
Daniel Lança analisa o Sistema Anticorrupção da Malásia e aponta caminhos para o Brasil
A 25 quilômetros ao sul de Kuala Lumpur, um complexo de prédios de vidro com arquitetura modernista impressiona quem passa por perto. As três torres reluzentes ficam em Putrajaya – a capital administrativa da Malásia – e abrigam a sede da Comissão Anticorrupção da Malásia (ou Malaysian Anti-Corruption Comission – MACC), um órgão independente, transparente e profissional que integra prevenção, detecção, investigação e persecução penal contra a corrupção com eficácia e serve de exemplo para o modelo brasileiro.
Estabelecida por unanimidade tanto pelo parlamento quanto pelo governo malaio em 2009, a MACC forma-se a partir da junção de três órgãos distintos, cada um historicamente responsável por uma estratégia anticorrupção: a prevenção era atribuída à antiga Agência Anticorrupção; as investigações eram de competência da Unidade de Crimes Especiais da Polícia Real da Malásia; e as ações penais estavam sob a alçada da Procuradoria-Geral da República.
Unificada sob diferentes legislações e nomenclaturas ao longo do tempo, a MACC estruturou-se como política de Estado a partir do consenso político de combate efetivo à corrupção e se mantém fortalecida independentemente de ideologias políticas. Foi estabelecida para agir em três grandes estratégias: execução (enforcement), prevenção e educação comunitária.
Na função de enforcement, há uma forte ação conjunta para combater crimes de corrupção e de colarinho branco, aliados a ferramentas tecnológicas robustas de detecção e com forte atuação em investigação independentes, inclusive contra chefes de órgãos públicos, incluindo o Primeiro-Ministro. O segredo ali está na ação integrada e sistêmica, com papeis e responsabilidades unificados por uma política nacional de integridade clara e conduzida por uma agência anticorrupção independente e atuante.
Se o enforcement já é um sucesso em termos de política pública, é na prevenção e educação comunitária que o trabalho malaio salta ainda mais aos olhos. A MACC tem como objetivo fundamental educar e o promover o apoio público contra a corrupção, além de instruir a sociedade, servidores público, líderes empresariais e agentes governamentais sobre práticas de integridade e transparência. Dentre as ferramentas disponíveis, a MACC possui uma rádio comunitária que, além de música, compartilha campanhas com temáticas relacionadas a integridade. A construção de uma cultura de integridade é a base mais importante dos objetivos da agência anticorrupção malaia – ainda que seus resultados não sejam necessariamente visíveis a curto prazo.
Outro ponto que merece atenção diz respeito à governança que envolve a MACC. Para manter a independência, transparência e profissionalismo do órgão, a legislação anticorrupção malaia instituiu um mecanismo de verificação e equilibro criou cinco painéis para monitorar e trazer accountability e responsividade às ações da MACC. Tais painéis são a) o Conselho Consultivo Anticorrupção; b) o Comitê Especial sobre Corrupção; c) o Comitê de Reclamações; d) o Painel de Revisão de Operações; e e) o Painel de Consulta e Prevenção da Corrupção, todos com representação da sociedade civil, ex-servidores públicos, políticos (situação e oposição), profissionais do setor empresarial e corporativo, acadêmicos, advogados e indivíduos respeitados.
Um fato curioso: Najib Razab, o Primeiro-Ministro que inaugurou o prédio da MACC em 2017, foi condenado por corrupção em 2020 após investigação da própria agência anticorrupção malaia. O escândalo apurou fraudes milionárias no fundo soberano da Malásia (1MDB) com envolvimento do banco Goldman Sachs.
Não há dúvidas que as torres de Putrajaya apontam modelos para o nosso próprio país: uma política anticorrupção forte e consensual dentre todas as matizes políticas, conduzida por uma integração de órgãos de controle harmônicos e com governança exemplar, e com foco especial em prevenção e cultura de integridade. Um sonho possível, mas ainda distante por aqui.
Daniel Lança é advogado, Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa e sócio da SG Compliance. É Professor convidado da Fundação Dom Cabral (FDC) e foi um dos especialistas a escrever as Novas Medidas contra a Corrupção (FGV/Transparência Internacional)