A defesa que o senador Sergio Moro (União-PR) entregou à 13ª Vara Federal de Curitiba sintetiza um dos grandes problemas do Brasil, que é o abismo entre o discurso e a prática dos ricos e poderosos.
São muito diferentes a forma como Moro tratou as pessoas que julgou quando era juiz e o modo como ele, agora, pede para ser julgado. Na petição, Sergio Moro pede que o juiz Eduardo Appio, atual titular da vara, reconsidere a decisão de enviar para o Supremo Tribunal Federal (STF) as acusações do advogado Rodrigo Tacla Duran contra ele e o deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR), ex-procurador da República.
O Moro do passado consideraria os argumentos do Moro do presente, possivelmente, como uma manobra jurídica para evitar debater o conteúdo da acusação que pesa contra ele. Isso porque o real motivo de ele não querer ser julgado pelo STF é saber que é persona non grata por ministros da Suprema Corte, contra quem tem disparado inúmeras críticas há vários anos, inclusive quando ainda era juiz.
Imaginemos o que aconteceria se as 10 medidas contra a corrupção, pacote legislativo defendido por Moro, tivesse sido aprovado. Uma das medidas incluía a possibilidade de usar provas ilegais contra os acusados. Possivelmente as conversas dele com o procurador Deltan Dallagnol teriam resultado em muito mais dor de cabeça jurídica do que as que Moro enfrentou. Talvez, ele nem sequer pudesse ser candidato ao Senado se essas mensagens pudessem ser usadas para incriminá-lo.
No mundo de Sergio Moro, portanto, o direito tem duas faces distintas. A primeira se aplica a pessoas que, como ele, merecem mais compreensão do que as demais. A segunda é direcionada a quem precisa, por algum motivo, ser tratado com o rigor da lei e, eventualmente, de forma até mais dura –como ocorreu, por exemplo, quando Moro determinou a condução coercitiva de Lula, que nem réu era.
A defesa contra as acusações de Tacla Duran são apenas a mais recente demonstração de que, no mundo de Moro, ele faz parte do grupo de pessoas confiáveis. No passado, no entanto, ele já se indignou com situações como as investigações do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre suas condutas. Chegou até a invocar a Lei de Abuso de Autoridade, da qual é crítico, contra autoridades do TCU.
No mundo de Moro, Jair Bolsonaro e Onix Lorenzoni também merecem mais confiança do que as pessoas em geral. Apesar de ele mesmo acusar Bolsonaro de práticas não republicanas, como interferir na Polícia Federal, Moro acha tranquilo posar ao lado e pedir votos para o ex-presidente. O comportamento é coerente com a defesa que fez de Onyx Lorenzoni, que confessou ter feito caixa 2 em campanha eleitoral.
O que não é coerente são as falas e ações de Moro nos diversos papeis que desempenhou nos últimos anos: juiz, ministro, candidato e, agora, senador.