A nota divulgada pelos comandantes das três Forças Armadas nesta sexta, 11, deixa evidentes as contradições que acompanharam os militares nos últimos quatro anos. Já no primeiro parágrafo, a instituição se coloca como moderadora, o que é uma usurpação de poderes que nunca foram das Forças Armadas.
“Acerca das manifestações populares que vêm ocorrendo em inúmeros locais do País, a Marinha do Brasil, o Exército Brasileiro e a Força Aérea Brasileira reafirmam seu compromisso irrestrito e inabalável com o Povo Brasileiro, com a democracia e com a harmonia política e social do Brasil, ratificado pelos valores e pelas tradições das Forças Armadas, sempre presentes e moderadoras nos mais importantes momentos de nossa história”, escreveram os comandantes.
Ao falar de forma positiva sobre sua participação em “importantes momentos de nossa história”, os militares mais uma vez esquecem que foram responsáveis pelo pior período vivido pelos brasileiros. Como a coluna já deixou claro, nunca houve um pedido de desculpas e sequer um reconhecimento de erros cometidos na ditadura.
Essa falta de senso de realidade fica clara em outro parágrafo da nota, quando os comandantes falam de “descaminhos autocráticos”.
“Da mesma forma, reiteramos a crença na importância da independência dos Poderes, em particular do Legislativo, Casa do Povo, destinatário natural dos anseios e pleitos da população, em nome da qual legisla e atua, sempre na busca de corrigir possíveis arbitrariedades ou descaminhos autocráticos que possam colocar em risco o bem maior de nossa sociedade, qual seja, a sua Liberdade”, diz a nota.
Qual é a moral que os militares têm para falar de autocracia depois de se aliar e aceitar os absurdos do governo de Jair Bolsonaro? Em vários momentos, as Forças Armadas se omitiram. Em 2018, foram parte importante para a eleição de Bolsonaro. Desde então, funcionam como uma espécie de instituição do governo equivocadamente.
Também não é coerente falar em democracia se não houve, em nenhum ponto da nota, a afirmação da vitória de Lula nas eleições. Não há nada mais democrático ou soberano do que o voto popular. Mas, sobre isso, as Forças Armadas se calam.
Em outro parágrafo, um recado a Alexandre de Moraes.
“Assim, são condenáveis tanto eventuais restrições a direitos, por parte de agentes públicos, quanto eventuais excessos cometidos em manifestações que possam restringir os direitos individuais e coletivos ou colocar em risco a segurança pública; bem como quaisquer ações, de indivíduos ou de entidades, públicas ou privadas, que alimentem a desarmonia na sociedade”.
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem sido incansável na busca por manter a democracia de pé e de fazer cumprir a Constituição Federal. Ao dizer que restrições de direitos são “condenáveis”, os militares dão um recado e se antecipam a eventuais decisões judiciais contra os radicais que se manifestam pelo país pedindo uma intervenção militar.
“Eles se colocam como poder moderador (o que é uma usurpação). Também desautorizam autoridades a interromper as manifestações (o que significa se antecipar a eventuais decisões judiciais contra os fanáticos). Dentro da lógica deles, que eles mesmo colocam como espírito da democracia, eles em nenhum momento reafirmam a vitória do Lula. Nada mais soberano do que o voto popular”, explica Eumano Silva, jornalista e pesquisador vencedor do prêmio Jabuti sobre a ditadura.
As Forças Armadas perderam mais uma chance de se calar. Uma nota cheia de ambiguidades só serviu para mostrar – mais uma vez – o quanto os militares se renderam ao autoritarismo de Bolsonaro. Esse cenário (pode ou não) estar com os dias contados. O país precisa tomar uma decisão para que notas como essa não sejam toleradas, principalmente vindo de instituições de Estado.