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Matheus Leitão

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Blog de notícias exclusivas e opinião nas áreas de política, direitos humanos e meio ambiente. Jornalista desde 2000, Matheus Leitão é vencedor de prêmios como Esso e Vladimir Herzog
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A relação que o Brasil pode fortalecer no Sul Global

Maior economia da África poderia implementar o PIX, diz fundador da maior empresa de energia nigeriana

Por Matheus Leitão Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 18 ago 2024, 12h58

O bilionário nigeriano Tonye Cole, de 57 anos, disse em entrevista à coluna que experiências bem-sucedidas do Brasil, como o PIX, do Banco Central, e uma parceria com o Centro Integrado de Manufatura e Tecnologia (Cimatec), do Senai em Salvador, podem ser úteis para promoção do desenvolvimento na Nigéria. Entre os principais obstáculos para a relação dos dois países, ele aponta a falta de voo direto e a necessidade de a Nigéria, que já superou a África do Sul como maior economia da África, entrar em grupos como Brics e G-20.

Cole fez fortuna em seu país atuando no ramo de óleo e gás e contou que só entrou nessa área por causa da experiência profissional que teve no Brasil, no início dos anos 1990. Mais de três décadas depois, entre julho e agosto deste ano, ele voltou ao Brasil em busca de projetos e ideias para levar a seu país natal.

Co-fundador do Sahara Group, que fatura cerca de US$ 11 bilhões por ano e atua em 40 países, Cole deixou a empresa em 2018 para entrar na política. Disputou naquele ano e em 2022 a eleição para governador de Rivers State, o mais rico entre os 36 estados da Nigéria. Sem sucesso eleitoral e bem aposentado dos negócios, Tonye Cole tem viajado o mundo em busca de soluções para o desenvolvimento de seu país com a bagagem de quem estudou gestão e políticas públicas em duas escolas de ponta – a Harvard Business School, em 2014, e a Escola de Governo Blavatnik, de Oxford, em 2019 e 2020. Ele é pastor da The Redeemed Christian Church of God, maior igreja evangélica da Nigéria e uma das maiores do mundo, presente em 196 países, inclusive no Brasil.

Entre as agendas em Brasília, Cole esteve na Embaixada da Nigéria e nos ministérios do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e do Trabalho e Emprego (MTE), acompanhado pelos advogados Layla Abdo e Matheus Puppe. Em Salvador, visitou o Cimatec acompanhado pelo advogado Zilan Costa e Silva. Depois, encontrou com uma das principais personalidades da Bahia, o navegador Aleixo Belov – primeiro brasileiro a dar a volta ao mundo, sozinho, em um veleiro. Em Goiânia, visitou dois arquitetos que influenciaram sua carreira na arquitetura e no empreendedorismo: Manoel Balbino e Luiz Fernando Teixiera. Em Belém, conheceu a sede da Igreja do Evangelho Quadrangular. Abaixo, os principais trechos da entrevista:

Quando o senhor morou no Brasil, em quais cidades e o que fazia?

Tonye Cole – Em 1986, meu pai, Patrick Dele Cole, foi nomeado embaixador nigeriano no Brasil país. Eu era estudante do segundo ano de arquitetura na Universidade de Lagos, na Nigéria, então decidi ficar lá para terminar meus estudos. Após a formatura em 1990, viajei para o Brasil e comecei a trabalhar para o Grupo Quattro, uma empresa de arquitetura e urbanismo em Goiânia. Trabalhei lá até 1992, depois voltei para a Nigéria.

O Grupo Quattro era responsável pelo planejamento urbano em Palmas, capital do recém-criado Tocantins. Como jovem arquiteto, essa foi uma experiência memorável, testemunhar o nascimento e a construção de uma nova cidade. Trabalhar e passar meses em Palmas como parte da equipe de arquitetos que projetou e supervisionou a construção do Tribunal de Contas e do Tribunal da Justiça é memorável para mim.

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Agora, o senhor voltou ao Brasil após mais de 30 anos. Quais são as principais diferenças entre o Brasil do passado e o de hoje?

Tonye Cole – Existem várias diferenças entre o Brasil que conheci naquela época e o que vejo agora. Algumas são positivas, outras são negativas. Em 1986, cheguei ao Brasil em um período de hiperinflação, que foi um dos eventos mais bizarros da minha vida. Se eu entrasse em uma loja hoje e não comprasse um item que queria, o preço mudaria para um valor maior no dia seguinte. Felizmente, o Brasil de hoje superou a hiperinflação. Como na maior parte do mundo naquela época, a tecnologia não desempenhava um papel importante na vida cotidiana do cidadão brasileiro. No entanto, recentemente descobri um conceito de pagamento chamado PIX. O aspecto mais notável é que é uma iniciativa liderada pelo Banco Central que foi tão profundamente integrada em todos os níveis sociais que vi indivíduos em situação de rua pedindo ajuda em dinheiro exibindo seus PIX em cartazes de papelão.

Mas também notei que a desigualdade permanece grande, talvez mais acentuada, entre as regiões do país. Além disso, os valores imobiliários aumentaram dramaticamente. Indo de Brasília a Goiânia de carro, percebi instantaneamente que o horizonte de Goiânia se transformou dramaticamente. A quantidade de prédios altos é significativamente maior do que eu me lembrava.

Também descobri, nesta viagem, um nível inesperado de intolerância política. Segundo ouvi, a política de extrema esquerda ou de extrema direita está separando famílias e rompendo amizades de longa data. Fui até informado de que qualquer um que tente ficar no centro corre o risco de se tornar politicamente irrelevante.

Como foi a transição de arquiteto para fundador da maior empresa de energia da África?

Tonye Cole – Minha formação como arquiteto me preparou para a liderança nos negócios, pois fui treinado para trabalhar como parte de uma equipe e, depois, para liderar a equipe. Em 1992, meu pai concorreu à presidência da Nigéria, e voltei para casa para apoiar a campanha. Os militares cancelaram a eleição, e eu estava pensando no que fazer como próximos passos na vida quando recebi um telefonema do Brasil, da EMSA (Empresa Sul-Americana de Montagens S.A.), a maior empresa de engenharia de Goiás e Tocantins e a sétima maior do Brasil na época, que havia vencido um projeto financiado pelo Banco Mundial na Nigéria e precisava de um representante no país com integridade verificável, capacidade de falar português e boas referências. A EMSA nunca havia trabalhado na Nigéria e não tinha uma rede profunda de pessoas das quais pudesse recorrer para encontrar essa pessoa. O trabalho era uma mudança em relação à carreira de arquiteto, mas apresentava novos desafios e aprendizado. Eu me envolvi profundamente no desenvolvimento de negócios na Nigéria e na África Ocidental, recursos humanos e recrutamento, contabilidade básica, administração de escritório e gestão de pessoal nigeriano. Também servi como elo entre a corporação e algumas das autoridades reguladoras do governo. Trabalhei na EMSA de 1993 até 1996, quando a empresa optou por se retirar da Nigéria. Mas trabalhar lá me permitiu adquirir uma visão valiosa das operações de uma empresa internacional e interagir com pessoas de outras nações. Isso se mostrou muito valioso quando fundei minha empresa em 1996.

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A Nigéria ultrapassou a África do Sul como a maior economia da África, mas não está no G-20 nem no Brics. Entrar nesses grupos seria positivo para a Nigéria?

Tonye Cole – A Nigéria é historicamente uma das nações mais relevantes e poderosas da África. O país desempenhou um papel fundamental no colapso do Apartheid na África do Sul, na libertação da Rodésia (agora Zimbábue) e na estabilização de governos democráticos na África Ocidental por meio de intervenções diplomáticas e militares, incluindo a supressão de um golpe em São Tomé e Príncipe, bem como a chave para encerrar as guerras civis na Libéria e em Serra Leoa. A exclusão da Nigéria do G20 e dos BRICS não é razoável. A participação da Nigéria no G20, particularmente entre os países do BRICS, beneficiará indubitavelmente tanto o Brasil quanto os outros membros do G20. A Nigéria traz uma forte influência em termos de riqueza e população, que, se bem aproveitada, dará aos BRICS um poder de negociação adicional e influência dentro do G20.

Como o Brasil poderia se beneficiar de uma relação mais forte com a Nigéria?

Tonye Cole – Brasil e Nigéria compartilham muitas semelhanças e devem colaborar mais estreitamente. Ambos os países têm semelhanças históricas, culturais, políticas, geográficas, ecológicas e econômicas que devem ser plenamente exploradas. Uma vez, visitei Salvador com meu pai, quando ele era embaixador no Brasil. Fiquei chocado com o fato de que o Brasil havia preservado tanto de seu legado cultural, incluindo características da língua iorubá (um dos principais dialetos da Nigéria). Como exemplo, iguarias culinárias como o acarajé também são comuns na Nigéria com um nome iorubá semelhante ‘acara’, enquanto ‘je’ significa ‘comer’ em iorubá. Juntos, ‘acarajé’ significa comer acara.

O Brasil pode lucrar muito com o acesso da Nigéria ao mercado africano por meio da Área de Livre Comércio Continental Africana (AfCFTA). A China já está aproveitando a AfCFTA no continente. O Brasil e a Nigéria, com seus abundantes recursos naturais e minerais, têm o potencial de reformular como esses recursos são valorizados e transacionados globalmente. Uma parte maior da cadeia de valor deve permanecer nos países produtores, mas nem o Brasil nem a Nigéria podem conduzir o argumento sozinhos. Precisamos um do outro para fazer isso acontecer. Nigéria e Brasil devem abordar a questão da mineração sustentável de pedras preciosas e metais. Além disso, com a alta incidência de metais e pedras contrabandeados, ambos os países estão perdendo o valor intrínseco de seus recursos para traficantes e países receptores.

O senhor vê algum projeto ou experiência no Brasil que poderia ser implementado na Nigéria para promover o desenvolvimento?

Tonye Cole – Com certeza. Uma das tecnologias mais surpreendentes que descobri no Brasil foi o PIX. O que me intrigou foi que este era um programa liderado pelo banco central que colocava os interesses das pessoas em primeiro lugar. A implementação de um PIX na Nigéria teria um impacto significativo na crescente indústria fintech do país, que já atrai a maior porcentagem de Investimento Estrangeiro Direto (IED) na África.

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Durante minha visita ao CIMATEC em Salvador, fiquei extremamente impressionado e otimista com o potencial da Nigéria de lucrar muito com a colaboração em P&D em campos semelhantes. Criar um instituto irmão na Nigéria para colaborar com o CIMATEC Brasil é uma ideia que eu gostaria de ver realizada.

Ao longo dos anos, o Brasil tem sido bem-sucedido em atrair turistas para suas praias, carnavais e Amazônia. A Nigéria pode lucrar com o excelente marketing do Brasil como destino turístico. A Nigéria tem várias áreas naturais e ecológicas semelhantes às do Brasil, e ambos os países podem desenvolver em conjunto material de marketing que aumentará o tráfego turístico. Os avanços agrícolas do Brasil são incríveis, e com o abundante território arável da Nigéria, melhorar a produtividade agrícola e alcançar a segurança alimentar por meio de exportações é crucial para a Nigéria.

Tanto o Brasil quanto a Nigéria viram um aumento na população protestante nas últimas décadas. O senhor vê algum paralelo entre os dois países em relação à religião?

Tonye Cole – A religião frequentemente prospera em áreas onde as pessoas buscam respostas que o governo e seus líderes não conseguem fornecer. Você notará uma ligação entre pobreza, desespero e religião, que pode parecer algo negativo à primeira vista, mas que na verdade é uma resposta necessária ao clamor mais profundo da humanidade. O crescimento dos movimentos protestantes ou evangélicos na Nigéria e no Brasil decorre de uma falta de esperança na ação política para melhorar o bem-estar social e econômico dos indivíduos. Embora tenha havido abusos óbvios do movimento, com falsos pregadores aproveitando-se do desespero dos pobres e vulneráveis, também houve muitas intervenções impactantes por parte das denominações protestantes mais genuínas e testadas pelo tempo. Isso levou à melhoria do status dos devotos e ao alargamento da classe social para incluir muitos indivíduos de boa condição financeira na comunidade. Essa maior conscientização e a conversão de uma classe social mais alta dentro das nações também estão levando a uma maior interação entre pessoas com recursos, que geralmente estão do lado dos negócios, trabalhadores do setor público, que impulsionam as leis e regulamentações nas nações, e a classe política que determina a direção ideológica que a nação toma.

 

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