Durante a votação de um processo que julgou uma questão de cota de gênero partidária, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, deu uma importante lição ao seu colega de toga Nunes Marques.
Ao afirmar não ter identificado fraude no processo envolvendo o partido Cidadania, o ministro indicado por Bolsonaro – e representante do conservadorismo na corte – proferiu uma fala um tanto quanto infeliz: “Precisamos ter um pouco de empatia com essas mulheres que se candidatam e são abandonadas pelo partido. Nunca participaram de uma campanha. Não sabem como percorrer esse caminho. Precisamos ter empatia porque não é fácil para uma mulher do povo, simples, se candidatar e ter nove votos numa cidade dessas”, afirmou ele.
A reação da ministra Cármen Lúcia foi imediata.
A magistrada, com razão, não recebeu bem a afirmação e demonstrou o motivo pelo qual o tom “paternal” de Nunes Marques não está só ultrapassado, como carrega certa misoginia.
“Quando se fala que o partido abandonou, como outrora se dizia que o marido abandonou, coitada […] E eu entendo quando o senhor afirma, de uma forma que soa paternal, dizendo que haja empatia. Mas é preciso, na verdade, que haja educação cívica (…) Nós não queremos ser coitadas, queremos ser cidadãs iguais. A desigualdade, ministro, está nesse tipo de tratamento”.
Nunes Marques parece ainda não ter compreendido a luta por direitos e por igualdade que as mulheres travam a centenas de anos no Brasil e no mundo. E isso é importante ser frisado porque trata-se de um magistrado da mais alta corte do país.
Ao ser capaz de proferir essas afirmações na presença de uma magistrada que buscou seu espaço para estar em posição de igualdade com o ministro, Nunes Marques levou a lição que merecia.
Mesmo em tom brando, a mensagem que o ministro de Bolsonaro deixou transparecer é de que o espaço público – ou o espaço político – não é um ambiente de mulheres ou para as mulheres. E que, para que elas consigam conquistar seu espaço, seria necessário uma “empatia” masculina pelas candidatas.
A fala incisiva da Cármen Lúcia foi necessária para escancarar para Nunes Marques que é necessário a compreensão de que as mulheres não precisam de um homem para “iluminar” o seu caminho, elas precisam de igualdade de oportunidades, igualdade de tratamento e que seus direitos como cidadãs sejam respeitados e protegidos.
O clima de constrangimento na sessão – e a necessidade desta intervenção – ainda repercutia entre os ministros da corte nesta sexta, 28, segundo apurou a coluna. E é importante que seja assim.
O “climão” mostra que os desafios e obstáculos enfrentados pelas mulheres estão longe de ser efetivamente superados, ainda mais se tratando da vida política e pública de nosso país.