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Marcos Emílio Gomes

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A coluna trata de desigualdade, com destaque para casos em que as prioridades na defesa dos mais ricos e mais fortes acabam abrigadas na legislação, na prática dos tribunais e nas tradições culturais
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Doria cria o ex-idoso e age como cabo eleitoral de Bolsonaro

Com pacote de maldades fiscais e marketing duvidoso, o governador não tem mais o moinho de vento do PT para atacar e se atrapalha com os próprios cadarços

Por Marcos Emílio Gomes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 7 jan 2021, 16h21 - Publicado em 6 jan 2021, 19h15

O governador João Dória, que venceu uma eleição na capital paulista combatendo fantasmas petistas e chegou ao Palácio dos Bandeirantes surfando essa mesma onda, de carona na prancha de Bolsonaro, convenceu-se de que é um gênio político e acredita que o voto contra – desta vez contra o catastrófico presidente – será suficiente para levá-lo ao Palácio do Planalto. Arrisca-se, por esse caminho, a se tornar o principal cabo eleitoral do bolsonarismo.

Ansioso diante do caixa minguante, afetado pela pandemia, o governador inaugurou uma vigorosa temporada de assalto ao bolso dos contribuintes mistificando conceitos sobre privilégios e chamando de fraudadores cidadãos que, diante da sede arrecadatória do Estado, defendem-se usando as leis herdadas de gestões de seu próprio partido.

Entre outros feitos recentes, Dória criou – em conluio com o prefeito Bruno Covas – a categoria dos ex-idosos, cidadãos entre 60 e 64 anos dos quais cassou o direito de passe gratuito no transporte público. A medida, que era uma ampliação do direito estabelecido pelo Estatuto do Idoso para pessoas acima de 65 anos, vigorava desde 2013 e tinha a assinatura, vale lembrar, do governador tucano Geraldo Alckmin. Não ocorreu a Dória ou ao prefeito a ideia de manter o benefício para a população de baixa ou nenhuma renda.

O governador também assinou uma revisão na legislação que isenta de IPVA os compradores de veículos automáticos (de valor até R$ 70 mil) que, com documentos fornecidos por médicos credenciados pelo Departamento Estadual de Trânsito – órgão do governo -, atestavam a impossibilidade de dirigir carros com câmbio manual. Também perderam a isenção os autistas e portadores de deficiências mental ou visual. Para carros adaptados, o benefício continua existindo.

É certo que havia mesmo um ralo fiscal aberto pela amplitude dessas isenções e que a legislação precisava de aperfeiçoamento. Mas a canetada certamente foi além do necessário e nada poderia autorizar o secretário de Gestão, Mauro Ricardo Machado Costa, a sair, com aval do governador, chamando de “fraude” a ação de contribuintes que se beneficiaram da frouxidão anterior da lei. Para os bem aquinhoados contribuintes de campanha que praticam elisão fiscal certamente o secretário prefere a expressão “planejamento tributário”.

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Além disso, não há notícia de que o governo vá fazer uma investigação profunda no credenciamento de médicos e outros convênios do Detran – onde há muito que pesquisar – nem informação de que Mauro Ricardo tenha se insurgido contra essas isenções na sua encarnação como secretário de Fazenda de São Paulo, entre 2007 e 2010. Foi naquela sua gestão que o então governador José Serra assinou a lei original sobre o IPVA para carros adquiridos por deficientes. Se essa legislação, que tem a assinatura de Mauro Ricardo, abriu espaço para fraudes e prejuízo para os cofres públicos ao longo do tempo, talvez ele tenha algo a explicar sobre isso.

Curiosamente, o governador Dória toca, junto com Mauro Ricardo, desde de o ano passado, um programa de auxílios às montadoras que dá isenção de ICMS de até 25% em novos investimentos. Em contrapartida, o governo de São Paulo elevou esse imposto, a partir deste anos, para uma lista que inclui remédios, combustíveis e alimentos, com impacto natural sobre os preços dos produtos consumidos por toda a população. Novamente, não passou pela cabeça de ninguém verificar o que poderia ser feito para reduzir o impacto dessa revisão sobre os mais pobres.

A adoção de medidas intempestivas e espetaculosas que no fim das contas acabam criando novos problemas para os cidadãos tem sido uma constante na atuação de Dória, desde sua passagem pela prefeitura da capital paulista. Para ficar apenas em um exemplo de herança ruinosa deixada pelo então prefeito, vale recordar os muros de vidro da Universidade de São Paulo, ridícula, incompleta e incompreensível moldura criada na Marginal Pinheiros com material inadequado e insuficiente. A USP perdeu terreno e segurança, não se vê solução para o serviço inacabado e Dória, agora governador, diz que o problema que criou não é mais sua responsabilidade.

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Na situação atual, com dois anos ainda para a eleição presidencial, Dória parece acreditar que, com a receita de Maquiavel, vive o momento de produzir maldades no atacado, que seriam esquecidas no longo prazo, apostando confrontar-se nas urnas com Bolsonaro e levar créditos exclusivamente em razão do que seria uma boa gestão nestes tempo de pandemia.

Mas até nisso, a despeito do comportamento estulto e destrutivo do presidente, o saldo acumulado pelo governador não parece ter condição de render tudo o que ele imagina. Basta verificar, por exemplo, que os danos do coronavírus no Estado de São Paulo, em termos de mortes, são maiores do que a média brasileira – 102,8 mortos por 100 000 habitantes no estado contra 94,1 no país todo, em números do dia 6 de janeiro. Discursos não estão salvando vidas.

Por outro lado, levar a questão da vacinação como uma bravata a ser travada com a administração federal tem a marca de uma estratégia marqueteira cujo resultado, afinal, pode ser bem negativo, até eleitoralmente. Se sair da pandemia visto pelos cidadãos de outros estados como um administrador que os mandou às favas enquanto tentou garantir vacinas apenas para os paulistas, Dória terá muito que justificar numa campanha presidencial.

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Amanhã, dia 7, por sinal, o Instituto Butantã deve informar oficialmente o índice de eficiência da Coronavac. Em setembro, Dória garantiu que, para idosos, era de 98%. Pairam dúvidas quanto a isso desde que o Wall Street Journal noticiou que o imunizante “has passed (ultrapassou ) the 50%”.

E não custa lembrar que, ao imaginar que sua viagem de férias a Miami seria vista pelo público como um repouso necessário para o guerreiro das vacinas, o governador cometeu um erro dos mais elementares. Voltar imediatamente soou como percepção assustada da bobagem que tinha feito e pedir desculpas tornou a questão um problema eterno em sua biografia. Sua partida ou seu retorno não reduziram em nenhuma internação o quadro da Covid em São Paulo, mas o bamboleio deu mais munição ao seu rival instalado em Brasília.

Quem sabe reste a Dória sustentar, na sua campanha à Presidência, a tese de que rejuvenesceu o povo paulista ao criar um contingente de mais de 100 000 ex-idosos. No marketing tudo é possível. Na política, talvez não.

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