Torres ganhou ministério de Bolsonaro logo após o início de plano golpista
Denúncia da PGR mostra que o ex-ministro da Justiça integrava núcleo que incentivou o ex-presidente a intensificar ataques à democracia

A denúncia apresentada pelo Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, aponta que, em 22 de março de 2021, um grupo de apoio de Jair Bolsonaro cogitou que o então presidente deveria, abertamente, “afrontar” e “desobedecer” decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). O grupo seria composto pelo “núcleo da organização criminosa”, que teria sustentado uma tentativa de golpe de Estado e traçado um plano de fuga do país para o ex-presidente.
Uma semana após o grupo sugerir os ataques ao STF, Anderson Torres, que era secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, foi anunciado por Jair Bolsonaro como ministro da Justiça e Segurança Pública. Ele tomou posse como chefe da pasta em 30 de março de 2021.
O ex-ministro consta na denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) como um dos integrantes do “núcleo crucial da organização criminosa”. A acusação, porém, não deixa claro se ele já integrava ao grupo de apoio de Bolsonaro em 22 de março ou aderiu depois ao núcleo da organização que sustentou os atos antidemocráticos.
Torres foi nomeado ministro da Justiça e Segurança Pública para substituir o ministro do STF André Mendonça. Mendonça assumiu a pasta em 29 de abril de 2020, dias depois de Sergio Moro desembarcar do governo Bolsonaro. O magistrado ficou no cargo até 29 de março de 2021, foi indicado em 13 de julho à Suprema Corte e tomou posse em dezembro do mesmo ano.
Anderson Torres foi acusado pela PGR pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima e deterioração de patrimônio tombado.
A atuação de Torres é citada na peça acusatória em mais cinco episódios da trama golpista. Os fatos ocorreram entre julho de 2021 e janeiro de 2023. Nesse período, após o fim do governo Bolsonaro, Anderson Torres retornou à chefia da Secretaria de Segurança Pública do DF, cargo que exercia antes de ser nomeado como ministro da Justiça e Segurança Pública.
Mentira em “live”
A primeira participação de Torres foi em uma live do ex-presidente Jair Bolsonaro para descredibilizar o sistema eleitoral, em julho de 2021. A transmissão ao vivo foi classificada por Gonet como um “curso prático ao plano de insurreição”.
O então ministro aparece no vídeo apresentando relatórios para contestar o voto eletrônico. Na acusação, a PGR destaca que Torres, em depoimento à Polícia Federal (PF), “admitiu, então, que mentira na transmissão, reconhecendo que ‘não foi possível depreender do material que teve acesso a existência de fraude ou manipulação de voto’”.
Reunião ministerial
Na reunião ministerial de 5 de julho, convocada por Bolsonaro para incitar a adesão de mais ministros no discurso golpista, Torres foi enfático em defesa dos ataques às urnas eletrônicas e não “hesitou em se valer da ênfase do baixo calão”, segundo a denúncia da PGR. Ele replicou os argumentos que havia usado, um ano antes, na live transmitida de dentro do planalto para os canais oficiais do ex-presidente.
O vídeo da reunião teve o sigilo retirado pelo STF em fevereiro do ano passado. A gravação foi encontrada no computador do ex-ajudante de ordens e delator de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid.
Barricadas da PRF
Já no período eleitoral, Anderson Torres teria sido um dos mentores do plano de usar a Polícia Rodoviária Federal (PRF) para impedir que eleitores do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva fossem às urnas. Os agentes fizeram blitze em locais estratégicos, onde o petista tinha mais votos.
A participação de Torres é verificada a partir da investigação contra a delegada da PF Marília Ferreira de Alencar. As mensagens entre ela e Torres foram apagadas, mas as conversas com o então número dois do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Fernando de Oliveira, permaneceram no celular de Marília, apreendido pelos investigadores.
A investigação também observou “movimentação atípica dos denunciados” entre os dois turnos das eleições, com um aumento do número de pedidos de reuniões entre a delegada e o ministro. Eles também mantinham um grupo em aplicativo de mensagens denominado “EM OFF”. “Os diálogos mantidos no grupo indicam que, na reunião, Anderson Torres foi operoso na concretização do plano insidioso”, diz a denúncia.
Decreto do golpe
Uma minuta de um decreto de Garantia da Lei e da Ordem foi encontrada em uma busca e apreensão na casa de Anderson Torres. Ele apresentou os argumentos jurídicos para o decreto em reunião com o alto escalão das Forças Armadas. O fato foi confirmado nos depoimentos do ex-chefe da Aeronáutica Carlos Almeida Baptista Júnior e do ex-comandante do Exército Marco Antônio Freire Gomes.
Ida para Orlando
Às vésperas das invasões na Praça dos Três Poderes, no dia 8 de janeiro de 2023, Anderson Torres viajou para os Estados Unidos. Ele havia sido nomeado como secretário de Segurança do Distrito Federal quatro dias antes da viagem para Orlando, na Flórida.
Assim como no caso das barricadas, a análise do celular de Marília Ferreira de Alencar foi usada para mostrar que a omissão ocorreu em consórcio entre a delegada, o então secretário de Segurança Anderson Torres e seu braço direito Fernando de Oliveira. “As omissões foram cruciais para a consumação dos eventos de insurgência de 8/1/2023”, diz a denúncia.
Em depoimento, o governador Ibaneis Rocha disse que ficou surpreso com a ida de Torres para os Estados Unidos e foi comunicado sobre a viagem no dia do embarque do então secretário. Quando retornou para o Brasil, em 14 de janeiro, o ex-ministro foi detido pela Polícia Federal por omissão nos ataques de 8 de janeiro. Além disso, a minuta do decreto de GLO havia sido encontrado na residência de Torres dois dias antes. Ele ficou preso por quatro meses no 19º Batalhão da Polícia Militar do Distrito Federal e foi solto, em 11 de maio de 2023, com medidas cautelares, como entrega de passaporte e uso de tornozeleira eletrônica.