Por que a “destruição” do Pacaembu é uma ótima notícia
O processo de privatização do estádio paulistano virou uma discussão varzeana nas redes sociais
À base de caneladas em qualquer tentativa de debate mais elevado, de tempos em tempos circulam nas redes imagens em tom de denúncia mostrando obras em andamento nas reformas do estádio do Pacaembu, em São Paulo. As postagens vêm acompanhadas de comentários em clima de horror chamando atenção para a “destruição” de um dos maiores patrimônios esportivos nacionais, palco de exibições de craques como Pelé na fase de ouro do futebol nacional. O papel de vilã na história cabe à prefeitura paulistana, que teria cometido o crime de entregar para a iniciativa privada a gestão do estádio. A ideia de privatizar o campo, no modelo de concessão, surgiu à época em que o tucano João Doria assumiu o comando da cidade de São Paulo. Seu sucessor no cargo, Bruno Covas, também do PSDB, concretizou o plano em 2019.
Desde então, não cessam as lamúrias em torno da privatização e do andamento das obras de modernização tocadas pela empresa concessionária, a Allegra Pacaembu. No ano passado, a irracionalidade chegou ao ponto de muitos lamentarem a demolição do chamado “tobogã”, uma feiosa e desconfortável arquibancada de concreto erguida atrás de um dos gols. O monstrengo arquitetônico surgido em 1970 para ampliar a capacidade de público do local não fazia parte do projeto original do Pacaembu. Quando o estádio foi inaugurado em 1940, o lugar era ocupado por uma charmosa concha acústica, especialmente concebida para a realização de shows. No calor da discussão varzeana sobre a privatização, essa absurda descaracterização foi esquecida. Em vez disso, os críticos preferiram lamentar a extinção justamente da obra que descaracterizou o estádio há mais de cinco décadas. Valeria um VAR para o episódio da nostalgia do tobogã, não?
Na manhã desta quinta, 12, um apresentador de programas esportivos requentou a choradeira em torno do “fim” do Pacaembu, em um post ilustrado por fotos do arquiteto e urbanista Nabil Bonduki mostrando a reforma em andamento no campo. Na verdade, a lenta morte do Pacaembu ocorreu pelas mãos das administrações públicas que se sucederam nas últimas décadas, incluindo a prefeitura do petista Fernando Haddad, da qual Bonduki fez parte, como Secretário Municipal de Cultura. Antes de ser entregue à concessão, a verdade é que o Pacaembu estava completamente sucateado e desatualizado por falta de investimentos. Virar o jogo com verba pública era muito difícil. Em uma cidade com tantos problemas quanto São Paulo, não faz mesmo sentido gastar dinheiro com a manutenção de um campo de futebol – daí o acerto do poder público em se livrar dessa despesa, entregando o imóvel para alguém comprometido a recuperá-lo e administrá-lo de forma profissional.
Cabe agora à prefeitura o importante papel de fiscalizar de forma rigorosa o cumprimento do acordo de concessão. Nesse campo, aliás, é que surgiram fatos que merecem mais atenção do que a choradeira das viúvas do velho estádio. A Allegra Pacaembu pediu recentemente ao município alterações significativas no contrato, sob a justificativa de compensar prejuízos provocados pela pandemia. Entre os pedidos está a extensão do prazo de contrato de concessão por mais 15 anos, além dos 35 já firmados. Fiscalizar de perto um negócio desses é fundamental para evitar prejuízos aos cofres públicos. Por tabela, a boa gestão desse contrato garante também a permanência do patrimônio, sob nova configuração. Nem o lendário estádio britânico de Wembley, em Londres, palco da final da Copa do Mundo de 66, escapou ao processo de modernização. Ele foi literalmente posto abaixo para dar lugar a uma moderna arena, que em quase nada lembra o palco antigo. Um processo bem feito de privatização é a última chance de salvar o Pacaembu. Nesse sentido, a “destruição” do estádio é muitíssimo bem-vinda.