Defesa Civil não pode atuar só depois do desastre, diz cientista do Inpe
Para Gilvan Sampaio, é urgente que os municípios avancem no mapeamento de áreas vulneráveis e planos de prevenção: 'as informações já existem'

Três anos após a tragédia climática das chuvas que deixaram 243 pessoas mortas em Petrópolis, o governo federal voltou a declarar emergência na cidade em razão dos temporais que atingiram o Rio de Janeiro no último final de semana. Catástrofes semelhantes ocorrem nos municípios fluminenses de Angra dos Reis e Duque de Caxias, deixando moradores ilhados e desabrigados pelas enchentes e deslizamentos de terra — leia reportagem na edição de VEJA desta semana.
Longe de serem casos isolados, os episódios escancaram a falta de preparo da Defesa Civil, em todas as esferas de governo, para enfrentar o cenário de desastres climáticos cada vez mais frequentes. Como mostra a reportagem de VEJA, mais de 1.700 brasileiros morreram em catástrofes climáticas na última década, mas o país caminha lentamente nas políticas de prevenção de riscos e redução de danos causados pela natureza.
“É mandatório que os municípios, hoje, tenham mapeamentos de áreas vulneráveis em seus planos de defesa”, afirma Gilvan Sampaio, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e ex-coordenador de Ciências da Terra no instituto. A VEJA, o cientista alerta que os eventos climáticos extremos serão cada vez mais frequentes e explica os avanços tecnológicos essenciais para a elaboração de políticas eficientes no enfrentamento às catástrofes.

O que as pesquisas indicam sobre o cenário de desastres climáticos no Brasil? Nós estamos observando o planeta cada vez mais quente, em razão das emissões de gases que causam o efeito estufa. Na região tropical, esse aumento de temperatura tem dois efeitos: onde há mais água, a evaporação gera nuvens maiores e provoca chuvas mais intensas, e nas áreas mais secas, a tendência é ampliar os que popularmente chamamos de desertificação. Assim, eventos como os que ocorreram em Petrópolis, Teresópolis e no Rio Grande do Sul, e as secas na Amazônia nos últimos anos, se tornam cada vez mais frequentes.
Como avalia as políticas públicas que temos hoje para enfrentar os desastres? O sistema de defesa civil no Brasil é mais reativo do que preventivo. As ações só ocorrem no pós-desastre, e não temos orçamento para planejamento, prevenção e mitigação de riscos. Nos municípios, é urgente mapear as áreas mais suscetíveis a inundações e deslizamentos, incluir isso nos planos de defesa e promover ações para retirar a população desses locais. Essas informações já existem, e eu não vejo os municípios atuando para fazer esse mapeamento de vulnerabilidades.
O novo supercomputador climático do Inpe deve começar a funcionar já no primeiro semestre de 2025. Como esse avanço tecnológico deve contribuir para as políticas de prevenção de riscos? Hoje, no Inpe, nós conseguimos prever eventos climáticos em toda a América do Sul com até onze dias de antecedência e sete quilômetros de precisão. O primeiro avanço será diminuir esse raio para três quilômetros, chegando a menos de um quilômetro em regiões metropolitanas. Na prática, seremos capazes de detalhar a previsão do tempo para bairros e até ruas, a partir de um modelo meteorológico comunitário que será o estado da arte em tecnologia. Isso vai aprimorar as previsões climáticas e subsazonais com impacto enorme em defesa civil, energia e agricultura.

O Brasil receberá a COP-30 em novembro deste ano, em Belém. O que o governo brasileiro deve apresentar em relação às pesquisas climáticas? Além de todo o trabalho de previsão do tempo e clima, estamos ampliando os sistemas de monitoramento por satélite diário e anual da Amazônia, Cerrado e Pantanal para todos os biomas. Já temos também a plataforma AdaptaBrasil, que cobre os impactos das mudanças climáticas em áreas como recursos hídricos, segurança alimentar, energia, saúde e infraestrutura. Temos, ainda, um sistema que monitora os usos da terra, capaz de avaliar as emissões de carbono que intensificam o aquecimento global. O Inpe estará na COP-30 apresentando tudo isso para o mundo.