Bolsonaro, a biruta de aeroporto e a manifestação que nasceu problemática
Comportamento do presidente em relação aos atos de rua foi marcado por idas e vindas; convocação baseada em pauta esdrúxula só acirrou a crise política
A decisão de Jair Bolsonaro de pedir aos movimentos que o apoiam que suspendam as manifestações de ruas previstas para domingo, 15 de março, é o ato final de um comportamento errático do presidente, que, desde o início da polêmica, agiu como uma biruta de aeroporto, cada hora apontando em uma direção.
As manifestações começaram a ser convocadas por grupos de direita como Brasil Conservador, Nas Ruas e Avança Brasil na esteira do episódio em que o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, foi flagrado em áudio vazado criticando o Congresso, em cerimônia no dia 18 de fevereiro. Segundo ele, deputados e senadores faziam “chantagem” com Bolsonaro na questão do Orçamento e instigou o chefe a “convocar o povo às ruas”.
Uma semana depois, no dia 25 de fevereiro, o presidente atendeu ao apelo de seu general: compartilhou em grupos de WhatsApp vídeos com convocações para os atos. A pauta era um suposto “parlamentarismo branco” que o Legislativo estaria tramando e uma imaginária má vontade do Congresso com as propostas de Bolsonaro, acusação que bate de frente com o fato de que o governo nem consegue enviar as reformas administrativa e tributária aos parlamentares.
Não ajudou em nada o governo e ainda atrapalhou. A participação direta do presidente na convocação irritou os congressistas, o Supremo Tribunal Federal – também alvo dos manifestantes – e obrigou o presidente a, pela primeira vez, dizer que não havia convocado ninguém. Admitiu apenas ter repassado mensagens de “cunho pessoal” a “algumas dezenas de amigos”.
Bolsonaro, no entanto, contrariou a si próprio no dia 7 de março, quando fez uma escala em Boa Vista (RR), durante viagem aos Estados Unidos. Ali foi direto. “Dia 15 agora, tem um movimento de rua espontâneo (…) E o político que tem medo de movimento de rua não serve para ser político. Então participem, não é um movimento contra o Congresso, contra o Judiciário, é um movimento pró-Brasil”, disse.
Na terça-feira, 10, a Secretaria de Comunicação da Presidência também foi usada para incentivar as pessoas a irem à manifestação. A pretexto de falar da visita de Bolsonaro aos EUA, a Secom reproduziu uma frase do presidente dita ao público americano. “As manifestações do dia 15 de março não são contra o Congresso, nem contra o Judiciário. São a favor do Brasil”. No mesmo dia, minimizou a pandemia de coronavírus. “Temos no momento uma crise, uma pequena crise. No meu entender, muito mais fantasia, a questão do coronavírus, que não é isso tudo que a grande mídia propala ou propaga pelo mundo todo”, disse.
Na quarta-feira, 11, ao voltar dos EUA, questionado novamente sobre o risco de grandes aglomerações de rua em época de pandemia de coronavírus, voltou a desdizer o que havia dito, em rápida declaração em frente ao Palácio do Alvorada. “Eu não convoquei ninguém. Pergunta para quem convocou. Você pergunta para quem convocou”.
O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e o presidente Jair Bolsonaro, durante livre no Facebook nesta quarta-feira, 12
Agora, acuado pelo avanço da doença e diante do fosso que separava suas atitudes das medidas que estão sendo adotadas em todo o mundo, decidiu pedir a sua tropa de rua que baixasse as armas e esperasse o mau tempo passar.
Apesar do comportamento tortuoso e da demora para reconhecer que os atos de rua eram uma má ideia, menos mal que o presidente tenha, enfim, dado o sinal para cancelar uma manifestação que, independente da questão do coronavírus, nunca deveria ter sido convocada.
Desde que começou a mobilizar os bolsonaristas nas redes sociais, a manifestação desagradou aos generais (usados em cartazes da convocação), aos líderes da Câmara e do Senado, aos ministros do STF e só criou atrito e tensão em um ambiente que já não era muito favorável ao governo. Mesmo com problemas dos mais variados pela frente, o presidente decidiu encampar o desvario. Menos mal que o coronavírus o fez recuar.