Um médico, uma mãe, três diagnósticos: o que vivi como filho de paciente
No dia do oncologista, uma história que conecta a evolução da medicina ao cuidado humanizado na luta contra o câncer
Minha mãe sempre foi minha maior incentivadora. Professora dedicada, Lair Franke me deu não apenas a melhor educação possível, mas também o estímulo constante para crescer e me tornar uma pessoa melhor. Se hoje sou médico oncologista, devo isso ao seu investimento incansável em minha formação. Por isso, quando a vida me colocou uma prova que jamais imaginei enfrentar, o impacto foi ainda mais profundo.
Logo após concluir minha residência médica, nos primeiros anos de minha carreira como oncologista clínico, minha mãe recebeu o diagnóstico de câncer de mama em estágio inicial. Dez anos depois, veio um segundo diagnóstico: câncer de intestino, também detectado precocemente. Agora, aos 80 anos, ela enfrentou um terceiro desafio – um linfoma não Hodgkin difuso do tipo B –, do qual está se curando graças a um tratamento adequado e oportuno.
Três diagnósticos de câncer em duas décadas. Para qualquer filho, seria uma jornada difícil. Para um oncologista, torna-se uma experiência transformadora que redefine completamente a perspectiva profissional.
É curioso como, nessas horas, toda nossa formação técnica parece se dissolver. Por mais especialista que eu seja, por mais casos que tenha acompanhado, quando se trata da própria mãe, deixamos de ser médicos e nos tornamos simplesmente filhos. No primeiro diagnóstico, confesso que só conseguia pensar nos casos que haviam evoluído mal, nos piores cenários possíveis. Foi preciso um esforço consciente para lembrar de todos os pacientes que se curaram, que levam vidas plenas e saudáveis.
Com o tempo e a maturidade, aprendi a lidar melhor com essa dualidade. No último diagnóstico, consegui manter mais serenidade. Busquei a melhor opinião médica disponível e ela passou a ser acompanhada por uma equipe multidisciplinar altamente qualificada, contando com o suporte integrado de diferentes profissionais da saúde.
Me assegurei que ela tivesse acesso ao tratamento mais adequado e, principalmente, mantive a confiança de que, com diagnóstico precoce e cuidado de qualidade, as chances de sucesso são grandes.
Hoje, vendo minha mãe recuperada, fazendo planos para o futuro e mantendo sua qualidade de vida, posso dizer que ela é uma verdadeira vencedora. Sua jornada me ensinou que o câncer pode atingir qualquer um de nós – até mesmo as pessoas que mais amamos. O que faz toda a diferença é como esse processo é conduzido e como o paciente é tratado.
Essa experiência pessoal revolucionou minha prática médica. Hoje, a cada consulta, me coloco genuinamente no lugar do paciente e de sua família. Pergunto-me sempre: “Como eu gostaria de ser atendido se estivesse nesta situação? O que eu esperaria do meu médico? Como posso oferecer não apenas o melhor tratamento técnico, mas também o suporte humano necessário?”
Aprendi que ser oncologista vai muito além de dominar protocolos e conhecer as últimas terapias. Significa compreender que, por trás de cada diagnóstico, há uma família inteira que precisa de orientação, esperança e, acima de tudo, acolhimento. Significa reconhecer que o medo, a ansiedade e a incerteza são tão parte do tratamento quanto a quimioterapia ou a radioterapia.
No Dia do Oncologista, reflito sobre como esta profissão nos transforma. Lidamos diariamente com a fragilidade da vida, mas também somos testemunhas de uma força humana extraordinária. Vemos pessoas como minha mãe, que enfrentam múltiplos desafios oncológicos e emergem vitoriosas, não apenas fisicamente recuperadas, mas emocionalmente fortalecidas.
A oncologia moderna nos oferece ferramentas cada vez mais eficazes contra o câncer. Temos tratamentos mais precisos, menos tóxicos e com melhores resultados. Mas a tecnologia sozinha não basta. É preciso que cada profissional da área compreenda que está tratando não apenas uma doença, mas uma pessoa, uma família, uma história de vida.
Minha mãe me deu muito mais do que uma boa educação. Sem saber, ela me ofereceu a lição mais valiosa da minha carreira: a importância de tratar cada paciente como se fosse nosso próprio familiar. Porque, no fundo, todos nós – médicos, pacientes e familiares – estamos do mesmo lado nesta luta contra o câncer.
E quando conseguimos unir excelência técnica com cuidado humano genuíno, os resultados são transformadores para todos os envolvidos.
* Fábio Franke é oncologista clínico e líder nacional de pesquisa clínica da Oncoclínicas







