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‘Ruptura’: estamos próximos de selecionar nossas memórias, como na série?

Produção imagina a existência de um dispositivo que permite editar circuitos cerebrais dentro e fora do trabalho. Neurologista discute a viabilidade disso

Por Wyllians Borelli*
23 jan 2025, 08h00

Já pensou se, todos os dias, às 18h01 – fim de expediente-padrão de uma parcela significativa dos trabalhadores brasileiros –, o seu cérebro virasse uma chave e, magicamente, todas as suas lembranças do emprego desaparecessem? E o melhor: no dia seguinte, ao voltar à labuta, as birras das crianças para irem à escola, a briga no trânsito e as contas a pagar sumissem dos pensamentos em um piscar de olhos – até as 18h01min, claro.

É mais ou menos isso que acontece com os internos da Lumon Industries, empresa fictícia da série Ruptura (Severance, disponível na Apple TV), que estreou a segunda temporada neste mês.

Na produção norte-americana, os funcionários são submetidos a um procedimento cirúrgico para separar as memórias relacionadas ao trabalho daquelas da vida cotidiana. Por diferentes motivos, esses indivíduos consentem na implantação de um dispositivo que afeta o mecanismo de registro e evocação de lembranças, com a finalidade de separar essas recordações.

Para entendermos um pouco melhor o potencial método envolvido nesse implante, é necessário compreender os processos que envolvem a memória episódica declarativa, isto é, aquela que conseguimos declarar voluntariamente.

Embora sejam alvo de estudos desde a década de 1980 pelo psicólogo Alan Baddeley, esses mecanismos ainda são muito questionados. Contudo, é sabido que existem três processos básicos para aquisição de memórias episódicas: registro, armazenamento e evocação.

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O registro diz respeito ao primeiro contato com a nova informação. Ela é adicionada aos recursos neurais do cérebro, onde ocorre a codificação dos dados externos para armazenamento, o segundo processo. Nessa etapa, a informação fica guardada em diversas regiões do córtex, camada mais externa do cérebro.

Não se sabe exatamente onde ou como essa informação está guardada, mas sabemos que ela está ali, em algum lugar. A última fase do processo é a evocação, que consiste no acesso a esses conteúdos. É nesse momento que ocorre a recuperação dessas informações.

Dito isso, há de se imaginar que o dispositivo implantado em Mark e seus colegas da série afete todos esses processos, criando uma espécie de “memória alternativa”, que permite que as lembranças registradas no ambiente de trabalho não sejam acessíveis fora dele, e vice-versa. Muito provavelmente, tal tecnologia cria um sistema alternativo de registro, armazenamento e evocação, que é “ligado” e “desligado” toda vez que o funcionário entra no elevador.

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Caberia, portanto, ao hipocampo, área relacionada ao registro da memória episódica, transferir as informações para esse novo “armazenamento alternativo”, região que fica desligada fora da empresa. Como esse local hipotético fica ativo apenas durante o expediente, ele também bloqueia as demais áreas de armazenamento do córtex, permitindo a evocação apenas das informações “alternativas”.

Apesar de fascinante – e, talvez, até um pouco aterrorizante –, a realidade está distante da rotina dos internos da Lumon. Um implante cerebral com capacidade de alterar os mecanismos de memória seria altamente desejado para enfermidades que afetam a memória, como a doença de Alzheimer, por exemplo. Se um dia chegarmos lá, dispositivos nesses moldes devem, inicialmente, servir para o tratamento de doenças crônicas, não para alterar a vida do trabalhador.

Hoje, talvez o mais perto que tenhamos chegado são os mecanismos de interface cérebro-máquina, como o exoesqueleto usado na abertura da Copa do Mundo do Brasil, tecnologia que usa a “força do pensamento”. Como os caminhos da memória não são completamente mapeados como os da mobilidade, ainda temos uma longa jornada pela frente.

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Isso não significa que, no futuro, não vamos poder alterar a memória artificialmente. Mas, por ora, ainda vamos lembrar de tudo o que aconteceu durante o expediente. Inclusive depois das 18h01.

* Wyllians Borelli é neurologista e coordenador de pesquisa do Centro da Memória do Hospital Moinhos de Vento

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