Os avanços da ciência além da Covid-19
Em paralelo a este 2020 cheio de incertezas, boas descobertas foram feitas, todas vitais para outras tantas doenças que acometem indistintamente a todos

Nesse 2020 pandêmico cheio de incertezas, procuramos encontrar uma saída, uma vacina, um tratamento para a Covid-19. Em paralelo a tudo isso, há ainda a preocupação com outras tantas doenças que acometem indistintamente a todos. Predominantemente, os tumores malignos (câncer) e as doenças cardiológicas, doenças que afetam indivíduos independentemente de sexo, etnia, faixa etária, classe social, poder econômico ou base educacional.
Há milênios, nossas capacidades físicas, emocionais e cognitivas continuam sendo moldadas por nosso DNA. Descobertas recentes talvez não mudem esse paradigma, mas podem avançar para compreendemos melhor o que acontece com o nosso corpo, sobretudo com as nossas células.
Recentemente, descrevi em um artigo para uma publicação da Associação Mundial de Uro-oncologia (WUOF – International Consultation on Molecular Biomarkers in Urologic Oncology 2020 ¹) sobre o primeiro marcador epigenético tumoral para o câncer da próstata.
Nosso grupo, que inclui ainda os pesquisadores Simeon Santourlidis, Marcos Araúzo-Bravo e Rolf Ackermann (in Memoriam), patenteou um marcador epigenético para câncer de próstata, para diagnóstico e prognóstico, já validado por meio da Universidade de Düsseldorf, realizada por cientistas externos que avaliaram às cegas. As amostras para que isso se tornasse possível foram providas por três reconhecidos centros internacionais: Roterdã (Holanda), Zurique (Suíça) e Tübingen (Alemanha).
Por incrível que pareça, foi justamente em meio à pandemia causado por um vírus que pouco conhecemos que aceleramos nossos projetos com os marcadores para identificar e estratificar o câncer de próstata com base na epigenética. Tudo isso, porém, com muita cautela e responsabilidade, pois ainda está em análise e avaliação para determinar o emprego clínico deste marcador.
Pacientes com biópsia(s) negativa(s), mas com suspeita da doença (devido a parâmetros clínicos), e pacientes com biópsia positiva, que desejam análise de alta definição por biologia molecular para melhor definição de conduta, poderão se beneficiar pelo método.
Epigenética
O filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.) descreveu pela primeira vez o conceito de epigenética. Para compreender a formação dos seres vivos, desenvolveu o modelo da Epigênesis (ἐπιγένησις), de onde a matéria amorfa constitui as estruturas específicas de um ser vivo.
De modo geral, vale ressaltar que em epigenética o meio ambiente tem aqui um papel central. As perturbações e estímulos de influência externa levam a mudanças adaptativas dos mecanismos epigenéticos, o que pode até levar a mudanças morfológicas e funcionais drásticas, uma vez que certo limiar de estímulo é ultrapassado. Por isso, a abordagem centrada no gene para a biologia, principalmente devido à inovação, deve ser estendida em um esforço para alcançar um progresso significativo em pesquisa sobre câncer.
Uma expressão gênica intacta é um pré-requisito fundamental para a integridade de uma célula diferenciada e funcional. Idealmente, todos os genes, necessários para a constituição de uma célula funcional, são qualitativa e quantitativamente expressos de uma maneira específica para um determinado tipo de célula. E, ao mesmo passo, genes desnecessários e numerosas sequências intergênicas com potencial de transcrição e interferência pode ser silenciadas epigeneticamente.
Nobel de Química
Os holofotes estão agora no genoma, na descoberta de “tesouras genéticas” para editar o DNA. Por tais descobertas, as pesquisadoras Emmanuelle Charpentier (França) e Jennifer Doudna (Estados Unidos) foram laureadas este ano com o Prêmio Nobel de Química. Seus trabalhos apresentaram amplo desenvolvimento de métodos para editar o genoma.
As cientistas conseguiram o que podemos chamar de reescrita do código da vida. Com o avanço da tecnologia genética CRISPR/Cas9, que possibilita alterar o DNA de animais, plantas e microrganismos com extrema precisão, pode-se editar basicamente qualquer genoma.
Daí o ponto extraordinário descoberto pelas pesquisadoras, porque pode descortinar novas possibilidades para outras terapias contra diversos tipos de cânceres, bem como curar doenças hereditárias.
Emmanuelle e Jennifer descobriram a CRISPR/Cas9 em 2012 e seu uso se popularizou em todo o mundo. Na medicina, por exemplo, testes clínicos com novas terapias contra o câncer já estão em desenvolvimento.
Com olhar mais direcionado para a oncologia, é justamente no campo científico que estamos avançando. E, por outro um lado, ainda é incerto o caminho igualmente científico que nos levará à vacina ou tratamento seguro e eficaz para a Covid-19.
Os esforços para dirimir doenças, sequelas e mortes são necessários em todas as áreas da saúde, da medicina e da ciência. Diversas entidades médicas e especialistas já alertaram: os casos de câncer deverão registrar um aumento significativo no pós-pandemia, com estimativas que apontam para mais de 600 mil brasileiros que desenvolverão a doença.
Ainda que os avanços na área oncológica sejam visíveis, como relatei acima, uma grande parte da população está desprotegida por causa da Covid-19. Porque boa parte dela tem medo de ir ao hospital e, por isso, talvez não saiba que está doente, o que reduz o tratamento precoce e, provavelmente, as chances de cura.
¹WUOF International Consultation on Molecular Biomarkers in Urologic Oncology 2020
https://epiprocare.de/Pesquisa/1036/international-consultation-on-molecular-biomarkers-in-urologic-oncology
