O movimento da ciência por um olhar atento para a endometriose
Periódico The Lancet publicou série de artigos sobre doença, clamando por políticas públicas e ênfase no diagnóstico precoce
Este mês, o renomado periódico médico inglês The Lancet publicou três artigos sobre endometriose. O primeiro, um editorial clamando por políticas públicas para enfrentamento da doença, com ênfase em diagnóstico precoce. O segundo artigo menciona avanços no tratamento medicamentoso. Há uma droga promissora que bloqueia receptores de prolactina e que parece reduzir sintomas sem alterar o eixo hormonal. O terceiro é uma extensão do editorial — um artigo mostrando o quanto políticas públicas para detecção precoce e formação de centros especializados em alguns países melhoraram os índices de constatação da condição –.
Há pouquíssimos países (França e Austrália) que possuem políticas públicas estruturadas para a doença. Na Austrália, em dois anos de programa, o tempo médio de diagnóstico da doença reduziu de oito para cinco anos. O resto do mundo tem uma média de atraso de diagnóstico entre sete e dez anos.
Uma breve pesquisa no Pubmed (a biblioteca digital científica médica) mostra que, de 2000 a 2025, 28.406 artigos foram publicados com a palavra chave endometriose. É pouco. Nesse mesmo período, 888.932 artigos foram publicados com a palavra diabetes.
Considere que a endometriose é uma doença que afeta 10% a 15% das mulheres em idade fértil. A diabetes tem uma prevalência entre 7 a 10% da população. Pode ser uma comparação até certo ponto infantil, mas uma conta de padaria simples consegue fazer entender que existe muita gente com endometriose. Muito mais do que imaginamos.
O fato é que grande parte das mulheres com endometriose anda por aí sem diagnóstico. E, ao andar sem diagnóstico, acabam sofrendo as consequências diretas e indiretas da doença.
As consequências diretas da endometriose são as conhecidas cólicas menstruais, dor na relação sexual e infertilidade. Seria fácil estimar o impacto econômico da doença se as consequências clínicas fossem somente essas. Não são.
É interessante perceber que há dados financeiros brasileiros sobre o custo dos desfechos diretos da doença. Ao compararmos esses dados com o câncer de mama (outra doença feminina), estima-se que o custo anual direto da endometriose por mulher afetada é de até R$ 69.600 contra R$ 125.000 do câncer de mama. Um número relativamente próximo se considerarmos o quanto se gasta com tratamentos oncológicos no Sistema Único de Saúde (SUS).
Mas a endometriose é uma doença capciosa: ela possui muitas consequências indiretas que são difíceis de mensurar atualmente. Veja, a doença não segue um padrão clássico de sintomas: muitas pacientes podem não sentir as famosas cólicas. E um grande número usa pílula anticoncepcional desde a adolescência, o que mascara muitos sintomas. Isso atrasa o diagnóstico.
E, por não seguir o padrão clássico de sintomas, as mulheres procuram inúmeros serviços de saúde para buscar uma explicação para diversos sintomas: alterações intestinais em forma de constipação ou diarreia crônicas, dores lombares, dores que irradiam para as pernas, dores à direita da barriga (que simulam apendicite), alterações urinárias que são confundidas com infecções ou bexiga hiperativa, enxaqueca, doenças autoimunes, síndrome da fadiga crônica… São todas consequências físicas da doença que não estão inicialmente relacionadas à endometriose.
Soma-se a essa lista as consequências emocionais: transtornos de humor, como ansiedade e depressão, também estão totalmente ligados à doença.
A mulher que tem endometriose procura diversos especialistas para inúmeros sintomas ao longo da sua vida. E essa busca incessante por explicações leva à exaustão e a consequente perda de produtividade, faltas no trabalho e afastamentos médicos.
Mulheres com endometriose costumam ser jovens e inseridas no mercado de trabalho. Considerando que ao menos 10% das mulheres em idade fértil têm endometriose, imagine o quanto empresas e governos perdem ao negligenciar o diagnóstico e os cuidados dessas mulheres.
O mundo científico faz um movimento claro ao falar sobre a doença em um dos seus veículos mais importantes. O clamor por financiamento a pesquisas e a políticas públicas é forte e atual.
A endometriose está entre nós e a comunidade científica pede ajuda.
*Karina Giassi é médica radiologista especializada no diagnóstico da endometriose e Phd pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP)
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