CoronaVac: confundam, mas não nos ofendam
As pesquisas utilizaram duas doses com intervalo de 2 a 4 semanas. Não foram avaliadas doses únicas e nem intervalos maiores entre elas

Faz muito tempo que ouvi pela primeira vez que a verdade é aquilo que cada um acredita, e desde então me pergunto onde reside a verdade de fato. Estas divergências interpessoais em geral envolvem colorações religiosas e políticas, de largos alicerces emotivos e poucas certezas.
A queda das torres gêmeas, em Manhattan, naquele 11 de setembro de 2001, tornou-se um marco que exemplifica a amplitude que pode alcançar discordâncias entre entendimentos com origens que misturam crenças e vieses políticos, e neste cenário, não discutamos as motivações, que são muitas.
Então, em respeito às individualidades e preferências dos leitores, norteio o que escrevo pela métrica das evidências científicas, aquela derivada das milhares de horas que cientistas utilizaram para encontrar suas conclusões.
Já venho há algumas semanas, em explícita concordância com o mundo científico, anotando a necessidade da vacinação para a Covid-19, sem desconsiderar riscos de ineficácia, mas admitindo não provocarem danos em nossos organismos.
A CoronaVac é a vacina que alcança maior relevância quanto à segurança, e esse predicado é resultante do modelo de sua obtenção e seu mecanismo de ação. O material injetado na imunização é composto de cápsulas de coronavírus mortos, absolutamente inabilitados para infectarem, mas capazes de manter as proteínas que identificam este agente infeccioso para o nosso sistema imunológico.
Embora seus estudos nos garantam apenas 50 % de proteção total contra a Covid-19, esse imunizante nos protege quase em 100 % contra as formas graves desta doença.
Obviamente, a avalanche de fake news e posts depreciativos de cunho puramente ideológico que procurava desqualificar a parceria Sinovac/Butantan mereceu a contraposição imposta por este colunista e outros tantos.
Contudo, com a mesma avidez utilizada para defender o Instituto Butantan em sua parceria e resultados, assim como o empenho paulista para deflagrar o início da vacinação, aponto meu enorme descontentamento com sugestões emergidas, que prospectavam ações que se distanciavam dos números oficiais do estudo para se apegar a deduções e horizontes especulativos.
Senhores, as pesquisas com a CoronaVac desenvolvidas neste país, e apresentadas em seus resultados para nossa agência reguladora, utilizaram duas doses do imunizante administradas com intervalo de 2 a 4 semanas. Não foram avaliadas resultantes a partir de dose única e nem tão pouco intervalos maiores que quatro semanas entre as administrações vacinais.
Não nos importa que “talvez” fosse majorada a eficácia com intervalos maiores entre as doses, esta possibilidade deveria constar nos objetivos do estudo e seus achados obrigatoriamente precisam ser contemplados no balanço de resultados. Alinho ainda que todos os participantes da pesquisa aceitaram as normas propostas, e por isso, só por isso, sob a égide da ética, a comunidade científica permitiu o desenvolvimento da investigação.
Interessa menos ainda se tal proposta tinha alma benevolente ou de cunho político, a ciência seria agredida em igual dimensão, nossa população ficaria subordinada a opiniões, quando necessitamos apenas das conclusões aritméticas.
Enquanto o alto escalão de cientistas está preocupado com as novas variantes do coronavírus e seus possíveis desdobramentos para o universo imunizante, seria excessivamente amador utilizar-se de achismos para justificar a exposição de milhões de pessoas em uma pesquisa clínica sem a chancela e consentimento de seus participantes.
Felizmente, a gestão de saúde do estado de São Paulo é composta em sua maioria por criteriosos técnicos, estabelecendo mediana de consenso que mantém a razão soberana e não permissiva a indesculpável ingerência.
Quando grande parte da imprensa se preocupou em melhorar a didática da apresentação dos resultados da CoronaVac, foi para explicar com clareza para a população aquilo que seus representantes, embora bem intencionados, não conseguiam.
Agora, por favor, confundam, mas não nos ofendam.
