CAR T-cell: a terapia revolucionária contra o câncer pode causar câncer?
A resposta é não. Há riscos inferiores a 1% e a terapia tem se mostrado uma esperança real para pacientes com baixíssimas chances de sobrevivência
Uma notícia recente chamou a atenção de quem acompanha os avanços nos tratamentos contra o câncer. O FDA (Food and Drugs Administration), órgão equivalente à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) nos Estados Unidos, noticiou que a terapia celular CART-cell – tratamento que usa as próprias células de defesa do sistema imunológico do paciente para combater alguns tipos de câncer – está sob investigação pelo risco de levar ao surgimento de câncer secundário após o seu uso. É necessário um esclarecimento.
O CAR T é o tratamento com maior nível de tecnologia que temos atualmente, e trouxe números impressionantes de sucesso para pacientes oncológicos que tinham baixíssima ou quase nenhuma chance de sobrevivência.
Inquestionavelmente, a tecnologia que permite a construção do CART, a modificação genética de células, trouxe uma enorme esperança e expectativa para o tratamento do câncer e mesmo de outras doenças não cancerígenas.
Por isso, num primeiro olhar, a notícia causa espanto e pode ser vista como uma decepção. Como um tratamento sobre o qual depositamos forte expectativa poderia agora causar câncer?
Para entendermos um pouco melhor o que isso pode representar, é importante destacarmos alguns pontos relacionados ao desenvolvimento de novas drogas. Três princípios importantíssimos são considerados no desenvolvimento de tratamentos contra o câncer; a efetividade, a toxicidade e a relação risco-benefício.
No caso da radioterapia, seus benefícios terapêuticos são inquestionáveis. No transcorrer do tempo, ela se modernizou e continua sendo um pilar muito efetivo no tratamento de nossos pacientes. No entanto, assim como conhecemos os benefícios da radioterapia, também sabemos do risco de câncer derivado do seu uso, como por exemplo, a ocorrência de cânceres epiteliais ou carcinomas. Da mesma forma, a quimioterapia, outro importante pilar no tratamento desses pacientes, também está ligada à ocorrência de doença maligna derivada como, por exemplo, leucemias agudas após o uso de etoposide, ciclofosfamida ou platina.
Mesmo assim, essas medicações continuam sendo amplamente empregadas na medicina, pois é inquestionável o benefício em relação ao risco que o seu uso representa.
Tratamento Específico
Porém, no caso do CART, o mecanismo que pode estar implicado com a ocorrência de doença neoplásica é diferente. A radioterapia e quimioterapia, não são tratamentos específicos e, portanto, atacam as células saudáveis do nosso organismo da mesma forma que atacam as células do câncer.
Por outro lado, a célula CART é específica e ataca apenas células contra a qual ela foi desenvolvida, como por exemplo, as células do mieloma múltiplo, linfomas e leucemias. O risco potencial, na verdade, está na própria célula CART, cujo método de transformação genética necessário para a sua produção poderia, também, levar à rearranjos gênicos implicados com o desenvolvimento de câncer da própria célula T.
Mesmo sendo mecanismos diferentes e existir um abismo tecnológico entre os dois cenários, os três princípios citados também se aplicam para o CART. Até o momento, os dados iniciais apontam uma incidência inferior à 1% após o seu uso, números que, mantém a terapia com células CART dentro de uma excelente relação de risco e benefício.
Assim, o anúncio feito pelo FDA dever ser visto, sobretudo, como a execução de um protocolo padrão, por parte das agências regulatórias, extremamente necessário de seguimento dos riscos e benefícios de novos tratamentos.
Da mesma forma que a radioterapia e a quimioterapia foram, o CART também será acompanhado pelos próximos anos ou décadas. Da nossa parte, médicos e pacientes, mantemos a esperança e a certeza de que, a modificação genética de células com fins terapêuticos é, sem dúvidas, o início de uma nova era no tratamento dos nossos pacientes.
*Renato Cunha é Líder Nacional de Terapia Celular da Oncoclínicas & Co. Médico, pesquisador, doutor pela Universidade de Paris-Diderot e pós-doutorado no National Cancer Institute (EUA), foi professor de medicina da Universidade de São Paulo. Tratou o primeiro paciente com células CART do Brasil em 2019