Câncer de pâncreas: o desafiador (mas possível) caminho para a prevenção
Responsável por apenas 1% dos diagnósticos no Brasil, mas por 5% das mortes causadas por câncer, a doença é uma das mais letais
O câncer de pâncreas é hoje um dos maiores desafios da oncologia no mundo. Embora represente 1% dos diagnósticos de câncer, responde por cerca de 5% do total de mortes. Essa discrepância se explica, em grande parte, porque 80% dos pacientes descobrem a doença em estágios avançados, quando as possibilidades de cura são reduzidas.
No início, o tumor pancreático costuma apresentar sintomas vagos, confundidos com os de outras doenças. Fraqueza, perda de peso, falta de apetite, dor abdominal, urina escura, olhos e pele amarelados, náuseas ou dores nas costas raramente soam como sinais de alerta para câncer de pâncreas. Essa ausência de especificidade retarda a busca por atendimento médico. Some-se a isso a falta de políticas estruturadas de rastreamento em grupos de risco e temos o cenário atual, marcado por diagnósticos tardios e altas taxas de mortalidade.
Por sua vez, vimos no Pancreatic Cancer Research, Education & Assistance Symposium, realizado em São Paulo, que a prevenção e o diagnóstico precoce não são utopias, mas sim metas possíveis. Fatores de risco como tabagismo, obesidade e sedentarismo podem e devem ser enfrentados com políticas públicas e campanhas de conscientização. Ao mesmo tempo, precisamos estar atentos às condições não modificáveis, como histórico familiar de câncer de pâncreas, pancreatite hereditária e determinadas síndromes genéticas.
Nesses casos, o acompanhamento especializado é crucial e dispomos de exames capazes de oferecer monitoramento adequado, como tomografias computadorizadas, ressonâncias magnéticas, ecoendoscopias e até testes de sangue com marcadores tumorais e biópsia líquida.
Há ainda situações que exigem vigilância especial, como pacientes que desenvolvem diabetes de início súbito em idades mais avançadas ou que apresentam descompensação do diabetes sem explicação. A integração entre endocrinologistas, clínicos gerais e especialistas em oncologia se torna decisiva para não perdermos uma oportunidade rara de intervir mais cedo.
Os avanços tecnológicos têm trazido novas ferramentas para o diagnóstico. Protocolos de imagem mais refinados, a inteligência artificial aplicada à análise de exames radiológicos e a endoscopia de alta precisão oferecem uma chance de identificar o tumor antes que ele se torne evidente. No campo assistencial, experiências como as clínicas de jornada ágil, capazes de oferecer em poucos dias consultas, exames e definição de conduta, demonstram que encurtar o tempo entre suspeita e tratamento aumenta de forma significativa as chances de sucesso.
Porém, tecnologia e inovação não caminham sozinhas. O câncer de pâncreas também escancara desigualdades. Ainda hoje, o local no qual o paciente reside define muito do cuidado que ele vai receber. Regiões inteiras do Brasil não contam com cobertura adequada em oncologia e a distribuição de recursos segue desbalanceada. Menos de 3% do orçamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é destinado ao tratamento do câncer e a maior parte desse valor concentra-se em medicamentos, quando sabemos que a cirurgia continua sendo mais efetiva para a maioria dos tumores em órgãos sólidos, incluindo o pâncreas.
Outro ponto essencial é a articulação entre médicos, gestores, pesquisadores, pacientes e organizações da sociedade civil. O protagonismo das associações de pacientes tem sido um motor de mudanças em diversos países e precisa ganhar mais força no Brasil. Elas trazem a voz de quem vive a doença e podem pressionar por políticas públicas mais eficazes, além de apoiar famílias em uma jornada marcada por dúvidas, medo e sofrimento.
Se a biologia agressiva do câncer de pâncreas é uma realidade incontestável, também é verdade que ciência, tecnologia e organização em rede podem transformar esse cenário. Avançar em programas de prevenção, estruturar vigilância para grupos de risco, investir em inovação diagnóstica e garantir acesso rápido e equitativo ao tratamento são passos indispensáveis.
O desafio é enorme, mas não intransponível. O caminho para mudar a realidade do câncer de pâncreas está em reconhecer que não basta esperar que os sintomas se tornem marcantes ou que os avanços tecnológicos cheguem sozinhos aos consultórios. É preciso agir de forma coordenada, com políticas públicas robustas, integração entre especialistas e participação ativa da sociedade. Só assim poderemos sonhar com um futuro em que esse tumor tão temido seja identificado mais cedo e enfrentado com maiores chances de cura.
*Felipe José Fernández Coimbra é cirurgião oncológico, presidente do Pancreatic Cancer Research, Education & Assistance Symposium, diretor da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) e líder do Centro de Referência em Tumores do Aparelho Digestivo Alto do A.C.Camargo Cancer Center
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