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Atraso na correta aplicação da terapia pós-infarto gera perdas de vidas

Adoção de reperfusão precoce reduz letalidade e diminui sequelas; demora em suporte impacta financeiramente famílias e sistemas de saúde

Por Andrei Sposito e Pedro Ivo Moraes*
13 ago 2024, 08h00

Estima-se que metade das mortes ocasionadas por infarto agudo do miocárdio (IAM) acontecem antes de a pessoa ter qualquer tipo de atenção médica. O dado é do Projeto Monica, iniciativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) que realiza o monitoramento de tendências para doenças cardiovasculares. Já o risco basal de óbito, ou risco esperado, para quem teve um infarto e foi hospitalizado fica entre 6 e 10%.

Segundo o Ministério da Saúde, ocorrem de 300 a 400 mil infartos no país todos os anos e, em cada cinco a sete casos, uma fatalidade. Muitas causas podem justificar esse significativo número de mortes e, entre elas, a falta de um atendimento adequado pós-infarto, mesmo para aqueles que conseguem chegar a um serviço de emergência. A terapia de reperfusão precoce é um exemplo de atendimento adequado.

A reperfusão precoce é uma terapia para restabelecer o fluxo sanguíneo após o período de isquemia ocasionado pelo infarto. É amplamente reconhecida como a estratégia mais eficaz para reduzir a letalidade e diminuir sequelas, como incapacidades físicas. Quanto mais cedo acontece, menor é a área de necrose no músculo cardíaco e, consequentemente, melhor o prognóstico do paciente.

Quando é bem sucedida, ajuda a prevenir danos permanentes nos tecidos e contribui para a recuperação. Pessoas não submetidas ao procedimento têm risco três a quatro vezes maior de óbito na comparação com as devidamente atendidas. A reperfusão pode ser realizada de duas formas: por trombólise, com introdução de agentes para dissolver o trombo que está impedindo a passagem do sangue até o coração ou por angioplastia primária, também chamada de intervenção coronária percutânea (ICP), que consiste na inserção de pequeno “balão” acompanhado por um stent para inflar a placa de coágulo e gordura que está causando a obstrução. A ICP é considerada o método preferencial para reperfusão pós-infarto agudo.

O estudo “O Impacto Clínico e Econômico do Atraso na Terapia de Reperfusão: Evidências do Mundo Real”, publicado recentemente na Revista Arquivos Brasileiros de Cardiologia, concluiu que o não emprego da reperfusão aumenta em 6,2% o risco de vida a cada hora após o infarto agudo do miocárdio.

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O objetivo do trabalho foi estimar as consequências clínicas e financeiras da postergação desse procedimento imediato indicado às vítimas de infarto. Foram analisados 2.622 indivíduos e, deste total, 36% foram submetidos à trombólise farmacológica três horas após o início dos sintomas; 43,7% entre três e seis horas; 13,7% entre seis e nove horas e 6,6% após nove horas da ocorrência. O grupo tratado após nove horas teve maior necessidade de cateterismo de resgate, infarto do miocárdio recorrente, parada cardíaca e acidente vascular cerebral (AVC), além de maior incidência de morte hospitalar.

Apesar das evidências sobre o importante papel da terapia de reperfusão imediata na preservação de vidas, até 40% dos infartados não recebem o tratamento devido à distribuição regional desigual de centros médicos com capacidade para proceder a intervenção. Nunca é demais lembrar que, se existem meios para otimizar as chances depois de uma ocorrência cardíaca dessa natureza, os infartados têm direito a eles. E, desde que este paciente consiga acessar uma emergência hospitalar, nada justifica que ele não receba a terapia de perfusão precoce.

Como já comentado, o atraso na aplicação da terapia de reperfusão naqueles que sofreram infarto pode ter como custo a própria vida. Mas, o sistema de saúde também arca com o prejuízo econômico dessa falta de protocolo: estima-se que a cada três horas sem o procedimento de reperfusão, o paciente represente um ônus adicional de US$ 500, cerca de R$ 2.700. Já entre os que obtêm recurso terapêutico após nove horas do IAM – comparando com quem foi tratado nas primeiras três horas – as despesas gerais são 45% maiores, impulsionadas, principalmente, por custos hospitalares. Vale ressaltar que tais custos foram calculados com base na tabela de ressarcimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e, portanto, estão subestimados.

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As famílias são impactadas pela falta de suporte após infarto, em especial nos países de baixa e média rendas, onde as patologias cardiovasculares são particularmente mais preocupantes. Nesses locais, a doença tende a afetar os mais jovens em idade ativa, resultando em significativas consequências econômicas.

No Brasil, 38% das mortes cardiovasculares ocorrem entre indivíduos em idade produtiva, provocando perda de produção equivalente a 15% do custo total associado às doenças cardiovasculares. Pesquisa desenvolvida no Sri Lanka dá uma ideia dessa realidade: 40% dos sobreviventes de infarto, que não receberam terapia de reperfusão no país, procuraram assistência financeira para arcar com gastos diretos, 5% dos pacientes perderam seus postos laborais, 29% ficaram com atividade física limitada no trabalho e 40% tinham restrições de tempo de emprego. Outros achados foram: 15,4% solicitaram empréstimos, 7,8% venderam suas propriedades, 19,1% sofreram perda de renda e 33,8% cortaram despesas habituais.

Esses números enfatizam a necessidade da urgente implementação de redes para gerir os casos de infarto, oferecendo as medidas clínicas necessárias no tempo correto, segundo evidências científicas, visando a salvar vidas e preservar os recursos voltados à saúde pública.

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Projeto Infarto da Socesp

A Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp) mantém há mais de dez anos o Projeto Infarto, disseminando conhecimento técnico e científico entre profissionais de saúde e o público leigo. O projeto conta com campanhas de prevenção, treinamentos para padronizar protocolos de atendimentos de emergência junto a médicos e enfermeiros da linha de frente dos serviços hospitalares, com o objetivo de minimizar a letalidade por infarto. Hospitais estaduais e municipais de São Paulo, Guarulhos, Barueri, Osasco, Diadema, São Bernardo, São Caetano, Santo André, Santos e Santana de Parnaíba são contemplados pelo programa, que tem a parceria do Conselho de Secretários Municipais de Saúde (Cosems) e das secretarias Estadual e Municipal de Saúde de São Paulo.

*Andrei Sposito é cardiologista, pesquisador e diretor da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp) e Pedro Ivo Moraes é cardiologista e coordenador do Projeto Infarto da Socesp

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