Até o fio de cabelo: nos bastidores dos testes que detectam uso de drogas
Especialista explica como funcionam os exames toxicológicos e por que o de cabelo, como o divulgado por Elon Musk, tem ganhado espaço no Brasil e no mundo

Recentemente, o bilionário Elon Musk voltou ao centro do noticiário internacional, não por alguma novidade tecnológica, mas ao divulgar publicamente o resultado de um exame toxicológico – uma tentativa de responder aos rumores sobre o uso de drogas ilícitas, alimentados por suas aparições erráticas e pela recente tensão com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
O exame divulgado por Musk foi do tipo realizado em amostras de cabelo, método que tem ganhado destaque por sua capacidade de rastrear o uso de substâncias psicoativas ao longo de meses.
Mas o que exatamente esses testes avaliam? Como funcionam? E até que ponto são confiáveis? Diferentemente dos exames feitos com urina ou sangue, o teste de cabelo possui uma longa janela de detecção: ele pode identificar o uso de substâncias até 90 dias após o consumo, dependendo do comprimento da mecha coletada.
A análise baseia-se em um princípio simples: ao serem ingeridas, as drogas são metabolizadas e circulam pelo corpo, chegando até os folículos capilares e se incorporando ao fio. Isso torna o cabelo um verdadeiro “arquivo químico” do comportamento do indivíduo nos últimos meses.
A coleta da amostra é bastante direta: corta-se uma pequena mecha próxima ao couro cabeludo, geralmente com cerca de 3 a 5 cm de comprimento – o equivalente a três meses de crescimento capilar. Caso o indivíduo não tenha cabelo na cabeça, podem ser utilizados pelos de outras regiões do corpo, como barba, braços ou pernas.
Antes da análise, os fios são lavados com solventes especiais para remover possíveis contaminantes externos, como poeira, cosméticos ou mesmo partículas suspensas no ar – como a fumaça de maconha em ambientes fechados. Esse procedimento é fundamental para diferenciar o que é contaminação externa do que é incorporação interna, ou seja, se o contato com a droga foi acidental ou decorrente de consumo real.
O exame laboratorial propriamente dito ocorre em etapas. Primeiramente, os fios são triturados ou dissolvidos para liberar as substâncias presentes. Depois, são aplicadas técnicas avançadas de extração e análise.
Duas abordagens principais são utilizadas: os testes imunológicos, como o ELISA, que detectam a presença de substâncias de forma rápida, mas com menor especificidade, e os testes confirmatórios por cromatografia – GC-MS (Cromatografia Gasosa com Espectrometria de Massas) ou LC-MS/MS (Cromatografia Líquida com Espectrometria de Dupla Massas). Esses últimos são altamente sensíveis e conseguem identificar e quantificar até traços mínimos de drogas como cocaína, maconha (THC), anfetaminas, opioides, benzodiazepínicos e outras.
Importante ressaltar que o exame não indica quando a substância foi usada, mas apenas se houve consumo durante o período avaliado. Outro ponto crucial: ele não detecta o uso recente, uma vez que leva de 7 a 10 dias para que o cabelo cresça o suficiente e ultrapasse o nível da pele – o que ocorre porque o cabelo é cortado, e não puxado desde a raiz, gerando esse intervalo natural entre o consumo e a possibilidade de detecção.
Há mitos sobre o que pode ou não interferir nos testes. Tinturas ou alisamentos, por exemplo, podem alterar o cabelo quimicamente, mas os laboratórios já aplicam métodos de lavagem e controle que reduzem esses riscos. Medicamentos também podem interferir. Usuários de produtos à base de canabinoides, por exemplo, podem apresentar positividade no teste se o medicamento estiver contaminado com THC – substância psicoativa presente na maconha, que é o verdadeiro alvo da detecção. Nesses casos, é essencial apresentar prescrição médica para justificar o resultado.
Também não há “dose segura” para o uso de drogas psicoativas. A quantidade detectada nos exames é mínima, e mesmo um único uso pode ser suficiente para um resultado positivo. Além disso, os efeitos à saúde, especialmente neurológicos, variam muito de pessoa para pessoa. Por isso, os exames toxicológicos que passam a ser exigidos no Brasil, para tirar a carteira de habilitação, passarão a exigir o exame toxicológico e o candidato deverá estar ao menos três meses sem nenhum uso de drogas. E a medida se deve também porque há usuários que desenvolvem quadros psiquiátricos graves após poucas exposições – como esquizofrenia induzida por maconha ou delírios persecutórios por cocaína, dentre outros.
No caso de Elon Musk, o exame divulgado apontou ausência de substâncias ilícitas nas últimas semanas ou meses e a tecnologia disponível hoje nos laboratórios é capaz de “ler” o passado químico de um indivíduo com extrema precisão. O cabelo, que antes servia apenas para estilo ou vaidade, hoje também fala – e muito – sobre nossas escolhas na vida.
* Alvaro Pulchinelli Jr. é médico toxicologista e patologista clínico e presidente da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML)