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Valdemar denuncia corrupção no banco que Bolsonaro entregou ao seu partido

Chefe do Partido Liberal pediu a Bolsonaro para demitir diretoria do Banco do Nordeste, apoiada pelo PL, por negócio bilionário com ONG ligada ao PT de Lula

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 28 set 2021, 08h00

O ex-deputado federal Valdemar Costa Neto, presidente nacional do Partido Liberal, tomou um susto na noite de sexta-feira.

Ele relatou num video, divulgado ontem: “Recebi um WhatsApp do presidente da República me questionando se eu tinha conhecimento de que no Banco do Nordeste havia um contrato lá de R$ 600 milhões com uma ONG.” [clique aqui para assistir na íntegra] 

Não é comum um presidente telefonar a um chefe de partido político para se informar sobre negócios de um banco estatal. Ainda mais numa noite de sexta-feira.

No caso, se trata de uma instituição com peso específico no mercado financeiro do Nordeste. O BNB é dono de R$ 60 bilhões em ativos, mantém uma carteira de crédito de R$ 40 bilhões, e consome R$ 2,1 bilhões numa folha de pessoal que inclui empregados em onze Estados.

Costa Neto explicou a razão do telefonema do presidente: “A indicação do diretor [presidente], do Banco do Nordeste é do Partido Liberal. Então, respondi ao presidente: ‘Duvido, mas vou esclarecer.'”

O Partido Liberal obteve o comando do BNB em 2018, no governo Michel Temer. Bolsonaro assumiu no ano seguinte e, no loteamento político-partidário, resolveu manter o banco estatal nas mãos do PL

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O partido de Costa Neto é dono de uma bancada de 43 deputados federais. Integra o Centrão, esteio parlamentar de Bolsonaro, em sociedade com o Progressistas do chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, e do presidente da Câmara, Arthur Lira.

Na partilha do governo com o Centrão, o PL recebeu a Secretaria de Governo da Presidência e órgãos com orçamentos significativos, entre eles o BNB.

“Liguei para o presidente do banco” — relatou Costa Neto.”Fui surpreendido [com a explicação de] que ele estava contratando uma empresa, mas era muito caro o preço e que a ONG prestava um grande serviço…”

Na outra ponta da linha telefônica estava Romildo Rolim, servidor de carreira, presidente do BNB. Ocupou uma diretoria durante o governo Dilma Rousseff, e chegou à presidência na transição Temer-Bolsonaro. Teve apoio da bancada nordestina do PL, mobilizada pelo deputado federal da Paraíba Wellington Roberto, que acabou transformando o banco público num feudo político.

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Costa Neto não gostou do que ouviu de Rolim: “Eu achei uma barbaridade um banco contratar uma ONG por aproximadamente R$ 600 milhões por ano. E isso há muitos anos. Quando eles entraram no banco, já tinha esse contrato, e nós não tínhamos conhecimento”.

A ONG é o Instituto Nordeste Cidadania, de Fortaleza. Ano passado recebeu R$ 1 bilhão do Banco do Nordeste “para operacionalizar” programas em microcrédito urbano (R$ 12,1 bilhões) e rural (R$ 2,9 bilhões).

O instituto é integrado por funcionários do Banco do Nordeste, parte vinculada ao Partido dos Trabalhadores. Em 2012, no governo Dilma, alguns figuraram em inquéritos do Ministério Público como suspeitos em desvios de cerca de R$ 100 milhões em negócios do BNB. Concediam-se créditos a empresas lastreados em notas fiscais “frias”. O dinheiro, supostamente, financiava a máquina eleitoral do PT no Ceará, acusação que o partido sempre refutou. Hoje, quem preside a ONG é Zilana Melo Ribeiro, ativista da Articulação de Esquerda, tendência interna do PT com razoável influência em organizações sindicais de bancários.

O banco federal começou a contratar o Instituto Nordeste Cidadania no governo Lula, em 2004 — um ano inesquecível para Costa Neto. Na época, o PL integrava a base parlamentar lulista financiada pelo Partido dos Trabalhadores com dinheiro de bancos privados de Minas Gerais. O Mensalão, como ficou conhecido, obrigou Costa Neto a renunciar duas vezes ao mandato de deputado federal.

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A primeira foi na ocasião da denúncia (2005), quando ele assumiu a responsabilidade pelo acordo financeiro que três anos antes viabilizara a chapa vitoriosa de Lula (PT) e José Alencar (PL).

A segunda renúncia ocorreu quando foi condenado (2012) a sete anos e dez meses de cadeia por corrupção e lavagem de dinheiro. Ainda estava preso quando se viu envolvido em outras investigações, como a de fraudes em agências reguladoras e em subornos de empreiteiros no extinto Ministério dos Transportes.

Ontem, ao celebrar mil dias de mandato, Bolsonaro se mostrou preocupado e até cauteloso: “Eliminou-se a corrupção? Obviamente que não. Podem acontecer problemas em alguns ministérios? Podem, mas não será da vontade nossa.”

Jair Bolsonaro
Bolsonaro, ontem: “Eliminou-se a corrupção? Obviamente que não” — (José Cruz/Agência Brasil)
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Enquanto falava, Costa Neto gravava o video com o qual deflagrou uma crise e semeou suspeitas sobre negócios do banco federal entregue ao seu partido no loteamento do governo Bolsonaro.

“Nós não podemos ter uma ONG contratada num banco da importância do Banco do Nordeste”, disse. “Por uma simples razão: o Partido Liberal não pode manter diretores em um banco que encontram uma situação dessa e não tomam providência.”

Era o chefe do PL pedindo ao presidente da República, em público, para demitir a diretoria de uma instituição financeira estatal escolhida e apoiada pelo próprio partido nos últimos três anos.

À noite, em resposta, a diretoria do BNB divulgou uma nota de autoelogio sobre o “zelo com os recursos públicos”. Avisou que não planeja se demitir e vai comandar o banco “até que hajam novas nomeações e/ou reconduções de mandatos”.

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O telefonema de Bolsonaro a Costa Neto, na sexta-feira, não foi casual. Desde agosto, no Palácio do Planalto discute-se a troca da diretoria do Banco do Nordeste. O contrato bilionário com a ONG sequer era novidade, foi renovado no ano passado com aumento de 28% no valor. Era conhecido, também, o histórico dos dirigentes, funcionários do banco e ativistas do Partido dos Trabalhadores.

Com o video-denúncia, Costa Neto criou uma crise com solução política facilitada para o governo. Deixou no alvo  uma ONG e o PT, adversários prediletos de Bolsonaro em campanha pela reeleição. E ainda aplainou a trilha para o Ministério da Economia anunciar uma “reforma” da atuação do BNB no microcrédito urbano e rural do Nordeste.

É negócio de R$ 40 bilhões por ano, com margem de lucro de 13% (2020) nas condições operacionais de um banco estatal. É um nicho de mercado cobiçado por instituições privadas. Principalmente, por fintechs paulistas.

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