Vai ter mar de gente nas urnas, em outubro. São mais de 156 milhões de pessoas cadastradas para votar, informa a Justiça Eleitoral. Isso é mais do que a população do México, e quase quatro vezes a da Argentina.
Sete de cada dez eleitores nasceram a partir da década de 70 do século passado. Ficaram adultos na sociedade estagnada, aprisionada num longo ciclo de baixo crescimento econômico e de alta desigualdade social.
Atravessaram os últimos quarenta anos num país ocasionalmente inerte, que foi caso de sucesso no mundo durante a maior parte dos seus dois séculos de independência.
Ainda Colônia, o Brasil de 1822 era aldeia de 4,7 milhões movida a trabalho escravo no planeta habitado por 1 bilhão de pessoas.
Quinze décadas depois, em 1980, era nação de 120 milhões num mundo de pouco mais de 4 bilhões de humanos.
O legado escravista segue indelével na paisagem, mas nesse intervalo de 158 anos a produção de riqueza no país avançou em velocidade três vezes acima da média mundial, medida pelo produto interno bruto (PIB).
Multiplicou-se por dez sua participação na economia global. Representava 0,3% no ano da Independência, saltou para 3% quando a IBM e a Apple inauguravam a era da computação portátil. Desde então, caiu e se mantém estacionada em patamar inferior a 2,5%.
Quatro décadas atrás o Brasil pertencia ao grupo de países pobres integrado pela China, Coreia do Sul e Índia, entre outros. Eles mudaram de “clube”.
O caso indiano é exemplar. Na terça-feira de 15 de novembro, quando o Brasil completar 133 anos de República, com um governo recém-eleito, a Índia começa a se transformar no país mais populoso do planeta — prevê a ONU. Terá 1,4 bilhão de habitantes e deve ultrapassar a China em 2023.
A sociedade indiana avançou muito em relação à brasileira. O governo do conservador Narendra Modi não deixa espaço para que seja classificado como modelo de democracia, mas, também, não atrapalhou demais e até ajudou, com reformas burocráticas, a impulsionar o país à expansão econômica de mais de 7% neste ano.
“Mais de 156 milhões estão no escuro, sem saber o que pensam os candidatos”
É recorde global, com fato relevante: esse crescimento deriva, basicamente, da economia digital. A Índia virou uma espécie de berçário na nova fronteira do capitalismo, com mais de 700 000 empresas dedicadas à inovação. Uma centena delas se destaca pelo valor de mercado acima de 1 bilhão de dólares — mais de 5 bilhões de reais. É o que os vendedores de papéis financeiros chamam de unicórnios.
No Brasil não há mais de vinte entre 14 000 startups registradas. É um símbolo desse ciclo de quatro décadas de estagnação, quando foram corroídas as chances de melhoria no padrão de vida dos brasileiros, agora prisioneiros de inédito nível de empobrecimento.
O país chega inerte aos 200 anos de Independência, apesar da reconhecida abundância de insumos essenciais (população, terra, água, energia renovável e fronteiras pacificadas) e da relativa autonomia tecnológica capaz de transformar seu ecossistema social e econômico.
Onde parecia construção acumulam-se ruínas. Divide-se na política numa espécie de festim antropofágico, a da eleição pela rejeição. Reluz em regressão social com uma de cada cinco famílias em situação de pobreza, e um terço delas afundadas em endividamento recorde. A debilidade econômica levou o setor industrial a retroceder à posição que possuía no produto interno bruto dos anos 40 do século passado.
É notável que os diagnósticos dessa melancolia brasileira de quatro décadas sejam convergentes para a mesma causa: o agravamento da desigualdade doméstica no acesso à educação e à saúde, e, em consequência, de oportunidades de trabalho e de remuneração.
A temporada de campanha eleitoral deveria servir como fórum nacional para debate de alternativas. No entanto, a nove semanas e meia da votação a maioria dos candidatos à Presidência da República e partidos nem sequer se preocupou em apresentar um roteiro de ideias ao distinto público votante e pagante.
Mais de 156 milhões de eleitores continuam no escuro. Desconhecem o que se planeja para o futuro. Essa deliberada omissão, à esquerda e à direita, apenas confirma a perda do sentido de progresso, que mantém o país apático há quatro décadas. É fonte de instabilidade política e, certamente, vai custar caro ao próximo governo.
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Publicado em VEJA de 27 de julho de 2022, edição nº 2799