Para Bolsonaro, alternativa agora é o tumulto do processo eleitoral
Acenos de golpe pereceram por inanição de apoio. Para o candidato, que derrete nas pesquisas, alternativa é o tumulto do processo eleitoral
Três funcionários públicos conspiraram e quebraram o sigilo de documentos sobre uma investigação no sistema de segurança do Tribunal Superior Eleitoral.
São eles: Jair Bolsonaro, presidente da República; o deputado federal Filipe Barros (PSL-PR); e, o tenente-coronel do Exército Mauro Cesar Barbosa Cid, que o chefe militar da Ajudância de Ordem da Presidência.
Eles se uniram numa manipulação de informações, segundo a Polícia Federal, para disseminar a versão de que o sistema eleitoral de voto eletrônico seria vulnerável e permitiria fraudar as eleições.
Os três funcionários sabiam que estavam cometendo uma sucessão de fraudes. Agiram com má-fé, para enganar o público numa falsificação da realidade.
Usaram e divulgaram documentos classificados de um inquérito policial (nº 1361) sobre uma aparente invasão ao sistema administrativo do Tribunal Superior Eleitoral como se fossem provas de um ataque hacker ao sistema de votação, para alterar resultados de urnas eletrônicas.
Bolsonaro, ladeado pelo deputado Filipe Barros, fez isso em transmissão por televisão e rádio. Em seguida, determinou ao tenente-coronel Mauro Cid que promovesse a divulgação na internet dos papéis sob sigilo.
O tenente-coronel obedeceu e até envolveu familiares na operação para permitir a cópia integral do inquérito sob segredo de justiça via link de acesso que publicou na conta pessoal de Bolsonaro.
Os investigados foram ouvidos pela polícia — exceto Bolsonaro, que ontem se negou a depor. Eles não negaram os fatos, as provas, o video e os links utilizados para divulgar os papéis oficiais, numa deturpação da realidade.
Ontem, se tornou público um relato de seis páginas sobre esses fatos. Foi assinado pela delegada federal Denisse Dias Rosa Ribeiro na na quarta-feira 24 de novembro do ano passado. É parte do inquérito (nº 4878) do Supremo Tribunal Federal.
No despacho, a delegada informa ter indiciado o tenente-coronel Mauro Cid pelo crime de violação de sigilo funcional, previsto no Código Penal (Artigos 325 e 327).
Foi o segundo oficial do Exército, na ativa e a serviço de Bolsonaro, acusado de crime durante o ano passado. O primeiro foi o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, alvo em diferentes investigações. O general não foi punido por violar o Código Militar, ao participar de um comício de Bolsonaro no Rio. O Exército encobriu o caso com sigilo por um século, reafirmado pelo governo no início do mês.
A delegada federal entregou ao STF a decisão sobre Bolsonaro e o deputado Filipe Barros, porque têm foro privilegiado. Mas registrou: “Os elementos colhidos apontam também para a atuação direta, voluntária e consciente [de ambos] na prática do crime [de violação de sigilo]”.
Ontem, Bolsonaro não cumpriu a ordem judicial de comparecer à polícia Federal para dar um depoimento sobre o caso. Mergulhou numa espécie de limbo jurídico — tem o direito constitucional de não produzir provas contra si mesmo, mas não pode impedir o andamento de um processo judicial.
Corre o risco de uma condenação, na companhia do deputado paranaense e do tenente-coronel. A pena mínima prevista é de seis meses a dois anos, agravada em um terço pela qualificação funcional que possuem na administração pública.
Quando vazou os documentos sigilosos, em agosto do ano passado, Bolsonaro se disse disposto a confrontar o Supremo, até mesmo usando armas fora da Constituição: “Ele abre [o inquérito das fake news], apura e pune? Está dentro das quatro linhas da Constituição? Não está, então o antídoto para isso também não é dentro das quatro linhas da Constituição.”
A idealização do golpe pereceu por inanição de apoio civil e militar. Para o candidato à reeleição, que derrete nas pesquisas, uma alternativa agora é o tumulto do processo eleitoral. Já começou.