No PSDB em liquefação, uns suspeitam de outros e todos se sentem traídos
Os tucanos marcaram uma assembleia-geral no pôr-do-sol da terça-feira, em Brasília, para discutir a relação com o candidato presidencial, João Doria
A situação no PSDB deve piorar muito até o sábado 25 de junho, quando o partido completa 34 anos à beira da liquefação. Depois, também.
Como uns desconfiam dos outros, o instinto de autodefesa contra a traição levou à convocação de uma assembleia geral, com três dezenas de dirigentes, vinte e dois deputados federais e seis senadores.
O encontro dos tucanos está marcado para o pôr-do-sol da terça-feira 17, em Brasília. Única exigência: presença física.
Pretendem discutir as relações de uns com outros, reafirmar confiança mútua — e, principalmente, checar de que lado cada um está em relação ao candidato presidencial João Doria.
Isso porque no PSDB, hoje, Doria suspeita de Bruno, que suspeita de Aécio, que suspeita de Rodrigo … Todos se sentem atraiçoados e esperam continuar sendo traídos durante toda a temporada eleitoral.
O ex-governador paulista João Doria, por exemplo, antevê uma “tentativa de golpe” no partido contra sua candidatura, escolhida numa disputa interna que custou R$ 12 milhões — quase dez mil salários mínimos — aos cofres públicos.
Para ele, a cúpula partidária, sob a presidência do deputado pernambucano Bruno Araújo, passa o tempo arquitetando maracutaias para removê-lo da eleição e fazer um acordo com o MDB, cuja candidata é a senadora Simone Tebet.
Em carta enviada ontem a Araújo, escreveu: “O jogo já foi decidido na bola, não cabendo qualquer modificação do seu resultado no tapetão”.
Observou: “Longe de sermos candidatos de nós mesmos, somos o candidato à presidência escolhido por mais de dezessete mil filiados do PSDB.”
Acrescentou, com um toque de compaixão: “Embora entenda que um projeto sólido e alternativo [a Lula e Jair Bolsonaro] para o país deva ser construído de forma pluripartidária, usaremos de todas as nossas forças para fazer prevalecer, a vontade, democraticamente manifestada pela imensa maioria dos filiados.”
Reproduziu uma carta de Araújo, onde se destacam três dezenas de palavras: “As prévias serão respeitadas pelo partido. O governador tem a legenda para disputar a Presidência da República. E não há, nem haverá qualquer contestação à legitimidade da sua candidatura pelo partido.”
Aparentemente, é da quinta-feira 31 de março, no epílogo de uma jornada de tensão, discussão, hesitação, renúncia à candidatura para permanecer no governo de São Paulo, e recuo com um acordo escrito e assinado — coisa rara na política, onde a palavra dada costuma valer mais que documento.
Doria parte para o confronto. Deixa claro que é candidato com ou sem apoio da cúpula do PSDB, não aceita acordo para escolha de candidatura baseado em “qualquer outra pesquisa de opinião”, e, na prática, inviabiliza a hipótese de aliança com o MDB ao circunscrever negociações à candidatura à sua vice-presidência.
Exige fidelidade num ambiente onde todos são capazes de perdoar traições, jamais a derrota. Por essa razão, talvez, na carta assinada com o seu advogado acena com a possibilidade de levar os divergentes e o próprio partido a um labirinto jurídico infernal, em plena campanha: “Constitui abuso de poder, ato antijurídico passível de correção, pela via judicial inclusive.”
Emergiu na cena o deputado mineiro Aécio Neves. Ele não aceita nem é aceito por Doria, mas fez questão de “registrar a minha solidariedade” ao ex-governador paulista.
“Uma coisa é você enfrentar um adversário de frente”— disse a Julia Chaib, da Folha — “e dizer que ele não era a pessoa adequada para liderar o PSDB. Mas agora se busca uma construção, através de uma encenação burlesca, de uma pesquisa que já se sabe o resultado. Querem dizer: ‘Não pode ser o Doria porque ele tem uma alta rejeição, então tem que ser a Simone [Tebet]'”.
Para Aécio, o presidente do seu PSDB, Araújo, tem como prioridade viabilizar a eleição de Rodrigo Garcia, que assumiu o governo de São Paulo: “O Doria sempre foi o bode que precisava ser retirado da sala para viabilizar a candidatura de Rodrigo.”
Com a experiência de quem já viu quase tudo em campanhas para a presidência (2014), governador de Minas, deputado e senador, Aécio enquadrou Doria numa moldura sheaksperiana, como Marco Antonio diante de César apunhalado: “O Doria está conhecendo a face triste da política, que é a traição pelos seus próprios companheiros.”