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Névoas da guerra

Lula deveria adotar a moderação como bússola em meio às ameaças do conflito

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 09h58 - Publicado em 17 nov 2023, 06h00

A guerra avança na fronteira de Israel com o Líbano. Bombardeios voltaram a rachar o solo fértil de uma dúzia de vilas no Vale do Beqaa, no leste do país, distante três horas de carro da capital, Beirute. Desse vale saiu a maioria dos imigrantes que aportaram no Brasil nos últimos 143 anos, incentivados pelo imperador Pedro II e, com frequência, enganados por agentes de viagem. Aqui consolidaram uma grande comunidade, hoje maior que a população do Líbano (estimada em 5,5 milhões), com poder de influência na política e na economia. Dois expoentes são o ex-­presidente Michel Temer e o ministro Fernando Haddad, da Fazenda.

O horror e a selvageria do morticínio acontecem a mais de 12 000 quilômetros de distância, mas ecoam em ressentimento e melancolia entre milhões de brasileiros descendentes de libaneses, árabes, palestinos e israelenses — cristãos, muçulmanos, judeus ou ateus. A soma dos medos está na expansão da guerra, a partir de combates entre tropas de Israel e milícias como o Hezbollah (“Partido de Deus”), grupo xiita libanês armado, financiado e empreitado pelo Irã, agora principal força paramilitar do Oriente Médio.

Como o Hamas e símiles, o Hezbollah justifica o terrorismo como arma na luta permanente contra a existência do Estado de Israel, cujo governo extremista e com evidentes laivos de psicopatia passou a esgrimir até com o delírio de um ataque nuclear em Gaza. Numa proeza, encorajou a escalada do programa nuclear iraniano, que tem ameaça implícita não apenas a Israel, mas, também, à Europa.

Sombras de uma guerra distante no mapa ficaram ainda mais próximas e perceptíveis no Brasil. Fez-se luz no resgate de famílias de brasileiros, conduzido com habilidade, resiliência e competência pelo Itamaraty — é notável a mudança no padrão da diplomacia nesse tipo de ação desde a pandemia. Ao mesmo tempo, turvou-se o ambiente com acusações de atividades de terrorismo no país vinculadas ao Hezbollah. As prisões de suspeitos aparentam fragilidade judicial, e o governo mantém na absoluta opacidade os motivos, a extensão e os obje­ti­vos dessa suposta rede de terror.

“Lula deveria adotar a moderação como bússola em meio às ameaças do conflito”

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A metamorfose política, no entanto, está clara. Há décadas o Brasil renega alegações sobre a existência no seu território de núcleos ligados a redes globais de terrorismo. Algo mudou, e o Hezbollah está no centro das evidências da propagação da sua “jihad” (guerra santa) na América do Sul. São notórios seus laços do tipo “joint venture” com máfias do narcotráfico, contrabando de armas, munições, minerais e produtos industrializados como cigarros no Brasil, Paraguai, Argentina, Uruguai, Chile, Bolívia, Colômbia e Venezuela. Ao contrário de países vizinhos, o governo brasileiro não reconhece o Hezbollah como organização terrorista, mas investiga e prende militantes e simpatizantes com base nas informações coletadas no país pelos serviços secretos dos Estados Unidos, Europa e Israel.

Desde meados do ano, por exemplo, empreende-se uma caçada humana no entorno de Foz do Iguaçu, região da tríplice fronteira. Tenta-se localizar e deter homens que usam identidades emitidas no Brasil e em países do Mercosul, entre eles José El Reda, Hussein Mouzanar, Ali Abdallah e Faourk Omairi. Eles são acusados de cumplicidade com o Hezbollah no massacre de 107 pessoas em dois atentados terroristas em Buenos Aires no início dos anos 1990. Deixaram mais de 500 feridos nos escombros da Embaixada de Israel e de uma associação comunitária judaica (Amia). Mesmo usando o terrorismo como reação ou expressão de antissemitismo, o Hezbollah realmente conquistou alguma simpatia em segmentos políticos extremistas da esquerda e da direita sul-­americana, como indicam diferentes relatórios de investigações em São Paulo, Assunção e Buenos Aires.

São fatos da vida, assim como a exaustão coletiva com a matança em Gaza. Em Brasília, acredita-se que o governo de Benjamin Netanyahu não tenha mais do que seis semanas para “resolver” militarmente sua vingança contra o Hamas. Aposta-se que, depois do Natal, vai aumentar muito a pressão por uma pacificação regional, ainda que temporária, se os lunáticos de Netanyahu e de Sayyid Nasrallah, líder do Hezbollah, se acalmarem. O conflito custa cada vez mais caro para Israel, Líbano e países vizinhos. Tem preço alto, também, para governantes como Xi Jinping, com problemas no plano de estabilização da economia chinesa, e Joe Biden, em campanha pela reeleição contra Donald Trump. Certamente, seria mais conveniente ao Brasil Lula adotar a moderação como bússola no palanque governamental em meio à névoa da guerra.

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Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

Publicado em VEJA de 17 de novembro de 2023, edição nº 2868

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